quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

O Desejo Desde o Ventre


 O DESEJO DESDE O VENTRE


 

O tema propõe falarmos sobre o investimento necessário ao bebê desde sua concepção, ainda no ventre materno, investimento esse que lhe dá um lugar, que é direcionado a ele, para que dessa forma possa se sentir desejado desde suas relações primeiras estabelecidas na sua formação, com sua mãe e com aqueles que lhe dirigem a palavra e o afeto, trazendo notícias do quanto tudo isso é importante e fundamental na constituição do sujeito, por vir e a se formar.

A motivação de propor pensarmos sobre isso nasce na organização do meu anteprojeto de Doutorado em Psicanálise, Saúde e Sociedade apresentado à UVA-Universidade Veiga de Almeida, onde o objeto de estudo é o sujeito, desde sempre, desde sua concepção, sujeito esse atravessado pela transitoriedade das estações- da infância à fase adulta. A pergunta é: “Que sujeito é esse que chega ao setting analítico, atravessado pela transitoriedade das estações?” Transitoriedade essa que fala das diferentes fases da nossa vida, desse o nascimento, aliás, antes dele. E tudo se inicia lá no feto, e até mesmo antes disso, no desejo do Outro em gerar uma vida.

Antes mesmo desse bebê ser concebido, já há de alguma forma, um endereçamento a ele, um discurso direcionado a esse “serzinho” vir a ser, como o seu nome, seu sexo, sua voz, suas feições, cor de cabelo, cor dos olhos, a curiosidade de saber com quem ele irá se parecer, como será sua voz, etc, etc, e tantas outras particularidades que envolvem a chegada de um bebê. Desejo da mãe dirigido à criança que se pretende conceber, gerar, dar à luz, amamentar, cuidar... OUVIR, OLHAR, TROCAR... . Talvez possamos pensar que nesse espaço de desejo dos pais se instale também o desejo do bebê.

Entretanto, ao falarmos do desejo do Outro, alguns questionamentos cabem ser trazidos aqui: O bebê é sujeito ou completamente assujeitado ao outro? Lia Batista, psicanalista brasileira, residente e atuante na França nos convoca a algumas reflexões. Qual é o desejo do bebê? Ele já tem desejo ou ele só vem representar o desejo dos pais na história? Tudo está nos pais ou há algo que é próprio dele?

No livro “PSICANÁLISE COM CRIANÇAS”, de Teresinha Costa- psicóloga, psicanalista, mestre em pesquisa e clínica em psicanálise (UERJ) e professora, encontramos considerações de grande relevância quanto à abordagem de Saussure (Lingüista suíço nascido em Genebra, fundador da moderna lingüística científica), ao dizer que a linguagem preexiste ao sujeito e que é a partir dessa concepção que Lacan afirma, “a linguagem determinará que o sujeito se torne seu servo”, o que significa dizer que desde que a criança vem ao mundo, ou melhor, antes mesmo de nascer, ela está mergulhada em um banho de linguagem, ou seja, há um discurso que a precede.

Partindo desse princípio, eu os convoco a reflexão: Se o que move a psicanálise é o desejo do sujeito, podemos refletir sobre qual seja o “desejo do bebê”.  A criança em alguma medida, já se implica diretamente com a relação que se estabelece entre ela e os pais, pais que precisam supor um sujeito nesse bebê. A maternidade/paternidade é uma construção que se estabelece com esse retorno, e que é essencial na construção da 1ª cadeia de significantes que se estabelece nessa relação. Ninguém se torna mãe ou pai no imediato momento de um nascimento, trata-se de uma construção.

No livro “O Sorriso de Gioconda” – Clínica psicanalítica com os bebês prematuros Catherine

Mathelin - Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999, a autora faz um recorte e uma brilhante associação entre o olhar enigmático e convidativo de Gioconda, com a captura da criança pelo olhar da mãe, como fundador do aparelho psíquico:

O livro inicia com o relato da cena de um garoto de cinco anos no Museu do Louvre, Paris, acompanhado de sua mãe. Assustado diante da imagem da Gioconda, ele lhe pergunta: “Mamãe, o que é que a moça está querendo?”. A autora nos chama a atenção para algo implícito na pergunta do garoto, que seria a seguinte questão: “O que ela está querendo de mim?”. Esta cena é utilizada para introduzir a questão da captura da criança pelo desejo da mãe.

A autora destaca o momento desta captura da criança pelo olhar da mãe, como fundador de seu aparelho psíquico: “É na relação com ela (mãe) que o pequenino descobrirá seu corpo e as emoções que este corpo proporciona. É com ela, capturado em seu olhar, que ele se olhará, é carregado por suas palavras que pensará”

Winnicott deixa claro em seu trabalho, que durante os últimos meses de gestação e primeiras semanas posteriores ao parto, produz-se na mãe um estado psicológico especial, ao qual chamou de preocupação materna primária. 

A mãe adquire graças a esta sensibilização, uma capacidade particular para se identificar com as necessidades do bebê. A tão dita loucura necessária da mãe para justamente dar conta dessa maternagem essencial a esse serzinho dependente (mas desejante) do desejo desse outro- a mãe.

E QUANDO ESSE INVESTIMENTO FALTA?

Sabemos que mais a frente, um descolamento da mãe será necessário, a criança irá dar-se conta de um mundo lá fora, para além dos pais, “o corte do cordão umbilical” nesse segundo momento precisa acontecer, é mais do que necessário, é essencial, entretanto isso só se dará de forma mais efetiva, de forma a fortalecer o sujeito quando no primeiro momento uma relação forte e consistente entre pais e crianças pôde ser estabelecida. 

Colar pra só depois descolar.

E Freud fala de forma bastante clara sobre esse necessário corte em “Romances familiares” de 1909 vol. IX ...[Ao crescer, o indivíduo liberta-se da autoridade dos pais, o que constitui um dos mais necessários, ainda que mais dolorosos, resultados do curso do seu desenvolvimento].

Para que haja esse corte, essa separação, é importante que antes, que no primeiro momento, um laço forte se estabeleça. 

O sujeito que se constitui ao longo da vida, promove vínculos mais fortes e consistentes no laço social, quando nos momentos iniciais de sua vida foi OLHADO, OUVIDO, CUIDADO, que teve seu discurso validado, e não desautorizado.

A formulação lacaniana do sujeito do significante implica pensar o sujeito pela sua relação com a fala e com o Outro.

A linguagem é soberana e preexiste ao sujeito. Se, logo após o nascimento, o bebê grita, este grito é descarga e é a resposta do Outro que transforma o grito em apelo, em demanda. (Costa, 2007, p.63)

O sujeito desejante hoje, que consegue em certa medida se colocar, e porque não dizer “ceder aos seus desejos” (Lacan) é esse sujeito do desejo desde sempre, acolhido sim, validado sim, mas não necessariamente “todo”.

Winnicott coloca isso de forma clara quando traz à cena o termo “a mãe suficientemente boa”, não toda, porque é justamente na falta que o desejo se instala.

E você? O que acha? Propomos pensarmos juntos....

 

Andréa Pinheiro Bonfante

Psicanalista- Psicopedagoga- Mestre e Doutoranda em Psicanálise.