O DESEJO DESDE O VENTRE
O tema propõe falarmos sobre o
investimento necessário ao bebê desde sua concepção, ainda no ventre materno,
investimento esse que lhe dá um lugar, que é direcionado a ele, para que dessa
forma possa se sentir desejado desde suas relações primeiras estabelecidas na
sua formação, com sua mãe e com aqueles que lhe dirigem a palavra e o afeto,
trazendo notícias do quanto tudo isso é importante e fundamental na
constituição do sujeito, por vir e a se formar.
A motivação de propor pensarmos
sobre isso nasce na organização do meu anteprojeto de Doutorado em Psicanálise,
Saúde e Sociedade apresentado à UVA-Universidade Veiga de Almeida, onde o
objeto de estudo é o sujeito, desde sempre, desde sua concepção, sujeito esse
atravessado pela transitoriedade das estações- da infância à fase adulta. A
pergunta é: “Que sujeito é esse que chega ao setting analítico, atravessado
pela transitoriedade das estações?” Transitoriedade essa que fala das
diferentes fases da nossa vida, desse o nascimento, aliás, antes dele. E tudo se
inicia lá no feto, e até mesmo antes disso, no desejo do Outro em gerar uma
vida.
Antes mesmo desse bebê ser
concebido, já há de alguma forma, um endereçamento a ele, um discurso
direcionado a esse “serzinho” vir a ser, como o seu nome, seu sexo, sua voz,
suas feições, cor de cabelo, cor dos olhos, a curiosidade de saber com quem ele
irá se parecer, como será sua voz, etc, etc, e tantas outras particularidades
que envolvem a chegada de um bebê. Desejo da mãe dirigido à criança que se
pretende conceber, gerar, dar à luz, amamentar, cuidar... OUVIR, OLHAR,
TROCAR... . Talvez possamos pensar que nesse espaço de desejo dos pais se
instale também o desejo do bebê.
Entretanto, ao falarmos do desejo
do Outro, alguns questionamentos cabem ser trazidos aqui: O bebê é sujeito ou
completamente assujeitado ao outro? Lia Batista, psicanalista brasileira,
residente e atuante na França nos convoca a algumas reflexões. Qual é o desejo
do bebê? Ele já tem desejo ou ele só vem representar o desejo dos pais na
história? Tudo está nos pais ou há algo que é próprio dele?
No livro “PSICANÁLISE COM
CRIANÇAS”, de Teresinha Costa- psicóloga, psicanalista, mestre em pesquisa e
clínica em psicanálise (UERJ) e professora, encontramos considerações de grande
relevância quanto à abordagem de Saussure (Lingüista
suíço nascido em Genebra, fundador da moderna lingüística científica), ao
dizer que a linguagem preexiste ao sujeito e que é a partir dessa concepção que
Lacan afirma, “a linguagem determinará que o sujeito se torne seu servo”, o que
significa dizer que desde que a criança vem ao mundo, ou melhor, antes mesmo de
nascer, ela está mergulhada em um banho de linguagem, ou seja, há um discurso
que a precede.
Partindo desse princípio, eu os
convoco a reflexão: Se o que move a psicanálise é o desejo do sujeito, podemos
refletir sobre qual seja o “desejo do bebê”.
A criança em alguma medida, já se implica diretamente com a relação que
se estabelece entre ela e os pais, pais que precisam supor um sujeito nesse
bebê. A maternidade/paternidade é uma construção que se estabelece com esse
retorno, e que é essencial na construção da 1ª cadeia de significantes que se
estabelece nessa relação. Ninguém se torna mãe ou pai no imediato momento de um
nascimento, trata-se de uma construção.
No livro “O Sorriso de Gioconda” – Clínica psicanalítica
com os bebês prematuros Catherine
Mathelin - Rio de Janeiro:
Companhia de Freud, 1999, a autora faz um recorte e uma brilhante associação
entre o olhar enigmático e convidativo de Gioconda, com a captura da criança
pelo olhar da mãe, como fundador do aparelho psíquico:
O livro inicia com o relato da
cena de um garoto de cinco anos no Museu do Louvre, Paris, acompanhado de sua
mãe. Assustado diante da imagem da Gioconda, ele lhe pergunta: “Mamãe, o que é
que a moça está querendo?”. A autora nos chama a atenção para algo implícito na
pergunta do garoto, que seria a seguinte questão: “O que ela está querendo de
mim?”. Esta cena é utilizada para
introduzir a questão da captura da criança pelo desejo da mãe.
A autora destaca o momento desta
captura da criança pelo olhar da mãe, como fundador de seu aparelho psíquico:
“É na relação com ela (mãe) que o pequenino descobrirá seu corpo e as emoções
que este corpo proporciona. É com ela, capturado em seu olhar, que ele se
olhará, é carregado por suas palavras que pensará”
Winnicott deixa claro em seu
trabalho, que durante os últimos meses de gestação e primeiras semanas
posteriores ao parto, produz-se na mãe um estado psicológico especial, ao qual
chamou de “preocupação materna primária”.
A mãe adquire graças a esta
sensibilização, uma capacidade particular para se identificar com as
necessidades do bebê. A tão dita loucura necessária da mãe para
justamente dar conta dessa maternagem essencial a esse serzinho dependente (mas
desejante) do desejo desse outro- a mãe.
E QUANDO ESSE INVESTIMENTO FALTA?
Sabemos que mais a frente, um
descolamento da mãe será necessário, a criança irá dar-se conta de um mundo lá
fora, para além dos pais, “o corte do cordão umbilical” nesse segundo momento
precisa acontecer, é mais do que necessário, é essencial, entretanto isso só se
dará de forma mais efetiva, de forma a fortalecer o sujeito quando no primeiro
momento uma relação forte e consistente entre pais e crianças pôde ser
estabelecida.
Colar pra só depois descolar.
E Freud fala de forma bastante
clara sobre esse necessário corte em “Romances familiares” de 1909 vol. IX
...[Ao crescer, o indivíduo liberta-se da autoridade dos pais, o que constitui
um dos mais necessários, ainda que mais dolorosos, resultados do curso do seu
desenvolvimento].
Para que haja esse corte, essa
separação, é importante que antes, que no primeiro momento, um laço forte se
estabeleça.
O sujeito que se constitui ao
longo da vida, promove vínculos mais fortes e consistentes no laço social,
quando nos momentos iniciais de sua vida foi OLHADO, OUVIDO, CUIDADO, que teve
seu discurso validado, e não desautorizado.
A formulação lacaniana do sujeito
do significante implica pensar o sujeito pela sua relação com a fala e com o
Outro.
A linguagem é soberana e
preexiste ao sujeito. Se, logo após o nascimento, o bebê grita, este grito é
descarga e é a resposta do Outro que transforma o grito em apelo, em demanda.
(Costa, 2007, p.63)
O sujeito desejante hoje, que
consegue em certa medida se colocar, e porque não dizer “ceder aos seus
desejos” (Lacan) é esse sujeito do desejo desde sempre, acolhido sim, validado
sim, mas não necessariamente “todo”.
Winnicott coloca isso de forma
clara quando traz à cena o termo “a mãe suficientemente boa”, não toda, porque
é justamente na falta que o desejo se instala.
E você? O que acha? Propomos
pensarmos juntos....
Andréa Pinheiro Bonfante
Psicanalista- Psicopedagoga-
Mestre e Doutoranda em Psicanálise.
Vou compartilhar no meu blog.
ResponderExcluirQuem escolhemos para função de pai ou substituto? Temos cursos, capacitações... Só não temos cursos para ser pais. Ser pai e mãe são funções para adultos, quantos adultos com funções de crianças?