Há crianças feridas escondidas em adultos difíceis
O que há por trás desse título? Que reflexão essa imagem nos propõe? Como boa observadora dos movimentos sociais por conta de minha profissão, vi essa imagem viralizar nas redes sociais como rastilho de pólvora e me perguntei que identificação as pessoas tinham com ela. Que adultos difíceis são esses? Que crianças feridas são essas, e qual a razão de estarem feridas?
Imersa em meus estudos, numa das obras de Ferenczi com o título “Confusão de Língua Entre os Adultos e a Criança”, me deparo com algo que talvez possamos considerar. Ferenczi, psicanalista e um dos mais íntimos colaboradores de Freud, nos propõe pensar sobre o que ele nomeia “terrorismo do sofrimento infantil”, quando crianças se vêm obrigadas a resolver toda sorte de conflitos familiares , carregando precocemente o fardo, a responsabilidade de terem de ser maduros o suficiente para lidarem com membros de suas famílias, pois não apenas no plano emocional mas também no intelectual, o choque, o trauma, pode permitir uma pessoa a amadurecer de repente.
Essas crianças , nomeadas por alguns autores de “crianças sábias”, não o fazem por interesse, mas por desejarem desfrutar novamente da paz que foi desaparecida e a ternura vinda daí, pois a marca mais expressiva que um trauma deixa é a perda da “confiança básica”. Esses que cuidam de suas crianças, sejam mães, pais, avós, ou outros, mostrando-se constantemente queixosos de suas vidas e padecimentos, podem transformar seus filhos pequenos em auxiliares para cuidar deles, os adultos, numa verdadeira inversão de papéis, fazendo dessas crianças suas “mães”, sem levar em conta as necessidades e interesses de seus filhos, sem ao menos os ouvirem ou voltarem seus olhos para eles. O que de certa forma estamos presenciando na sociedade contemporânea, a despeito do excesso de olhares para as redes sociais sem usufruírem da companhia de suas crianças, da excessiva troca de parceiros que são levados para dentro de casa e muitas das vezes colocando essas crianças em risco, enfim…uma desvalia por completo, um abandono supostamente “assistido” e velado, quase hipócrita
O medo diante desses adultos de certa forma enfurecidos e desmedidos, envoltos com suas próprias questões, pode transformar por assim dizer essa criança num psiquiatra, para justamente defender-se do perigo eminente, que esses adultos sem limites e sem controle representam para elas. Quase nunca eles conseguem gritar, se queixar ou fazer alardes, congelam-se e/ou aceitam essa violência imposta a elas, nem que para isso tenham de assumir papéis para de certa forma dar significado a tudo isso, para que isso possa ser representado.
Essas experiências traumáticas vivenciadas por essas crianças não passarão sem deixar marcas, muito pelo contrário, deixarão “faturas” com valores altíssimos, já que ao longo de nossas vidas, todas as nossas vivências são impressas em nós, tais quais carimbos que serão constantemente impressos e reimpressos. Dessa forma, vale pensar quais serão as consequências que essas crianças feridas apresentarão em suas vidas adultas justamente causadas por esses adultos difíceis.
A proposta desse texto não é trazer respostas, mas sim perguntas, questionamentos sobre quais seriam as razões de vermos esse sintoma cada vez mais presente em nossa sociedade onde adultos adoecidos adoecem as crianças.
Andréa Pinheiro Bonfante- Psicanalista/Psicopedagoga- Mestranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade.
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Hoje em dia se faz muito presente entre as famílias, o uso de celular constante, isolamento familiar. Muitas crianças estão perdendo a infância, amadurecendo cedo, por conta das família desestruturadas.
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