A FAMÍLIA NA PANDEMIA
Ainda no final de 2019, já tínhamos conhecimento da COVID 19-
mas ela nos parecia muito distante, na China, do outro lado do mundo. Como ela
poderia chegar aqui? Demos de ombro e seguimos em frente. Carnaval!!!
Fronteiras abertas, folia ...ohhh abram alas que eu
quero passar, mas parece que quem passou mesmo foi o CORONAVÍRUS.
Passou, chegou, sentou e ficou sem pedir licença, tomou conta
do mundo, do Brasil. E logo em seguida, me lembro muito bem, no dia 11 de
março, chega-nos a notícia de que estávamos enfrentando uma PANDEMIA. Num
programa de domingo na mesma semana, através de uma reportagem, damo-nos conta
da seriedade dos fatos.
O mundo atônito, colocou-se de boca aberta diante de algo que
nós nem ao menos sabíamos bem o que era. Mas algo já estava claro, a doença
MATA. Isolamento social, comércio, escolas, tudo fechado, apenas os serviços
essenciais permaneceram abertos. O cenário de todas as cidades parecia mais um
cena hollywoodiana da série “THE WALKING DEAD”, e de fato a morte rondava, o
medo se instalou.
E é uma tendência bastante comum do ser humano congelar-se
diante do novo, principalmente diante de algo que ameaça nossa vida. Sobre a
morte não temos registro, isso é fato, e talvez até mesmo por isso, nos
sintamos tão desconfortáveis e
AMEAÇADOS. Nesse momento, a morte toma aquela forma bastante comum que
costumamos ver em charges e desenhos animados “Um espectro vestido de preto com
uma foice na mão”. Ela vem ceifar nossas
vidas.
E infelizmente a doença foi avassaladora, nos tomou muito
mais do que vidas, nos tomou emprego, a liberdade de ir e vir, planos e sonhos
tiverem de ser adiados (por tempo indeterminado), as instituições educacionais
tiverem de se reinventar na modalidade on-line e EAD, assim como o trabalho de
muitos. Passeios, viagens, o tão famoso “happy-hour” no final dos
expedientes... ahh, nem pensar, a cervejinha com o amigo confidente no sábado à
tarde, a partida de futebol com os colegas no domingo...de jeito nenhum, visitar
os familiares não pode, comemorar aniversários também não e por aí vai.
De repente não nos era permitido fazer MAIS NADA,
absolutamente nada. Como assim? Nos perguntávamos o tempo todo. Mas
esperançosos dizemos a nós mesmos, “Tudo isso vai passar logo”, “A quarentena
não vai durar mais do que 15 dias, no máximo em um mês já retornaremos as atividades
normais... SÓ QUE NÃO, NOSSA PREVISÃO INICIAL FALHOU.
A cada dia as notícias nos chegavam contando do quão grave
tudo isso era, e também do quanto tudo era confuso, discursos desencontrados
das autoridades sanitárias, que num momento diziam, “usem máscaras”, “não usem
máscaras”, fechem o comércio”, “abram o comércio”, distanciamento social
funciona”, “distanciamento social não funciona”.
O Estado não mais conseguia exercer sua função, aquele que
deveria nos orientar e proteger promovia incansáveis discursos incoerentes,
desalinhados e permanecemos no limbo da ignorância e no total desamparo. Equívocos
atrás de equívocos que aumentavam e aumentam ainda mais essa sensação de
estarmos precariamente lutando por algo tão gigantesco, e como diria Éric
Laurent [...]com barro fofo e pedra lascada[...], mas vale ressaltar que faz
uso dessa expressão, em outro contexto, eu apenas faço uso dela para dizer de
nossa precariedade.
Me lembro de Sándor Ferenczi, um dos alunos e grande amigo de
Freud quando diz que mais grave do que o trauma em si “é ser desvalidado, é ter
seu discurso desvalidado pelo outro”. E não foi isso que aconteceu? Nos vimos
diante do LUTO, e não tivemos sequer a oportunidade de VIVER esse LUTO. Não
podemos nos despedir sequer de nossos mortos.
E nosso Luto foi muito além das vidas perdidas de familiares,
amigos e muitos outros anônimos. Muitos perderam o trabalho, fonte de renda e
dignidade pra família. Perdemos tudo aquilo com o qual nos agarramos pra darmos
conta da vida como, essas ferramentas já comentei inicialmente que nos
utilizamos pra minimamente conseguimos uma “ancoragem” diante do Real da vida. E
quais seriam essas ferramentas? Como passeios, baladas, uma simples partida de
futebol, uma visitinha na casa dos amigos e parentes, e tudo mais que de alguma
forma seja importante para cada um de nós e que diante da impossibilidade do
social, nos tenha sido tomado.
As famílias se deparam com uma realidade ímpar em suas vidas,
trabalho, escola, filhos, lazer, descanso, tudo num só espaço acontecendo ao
mesmo tempo. Os casais não mais dariam aquele beijinho de despedida no início
do dia indo para o trabalho e combinando de se verem ao anoitecer porque ambos
estavam trabalhando em casa ou estavam desempregados, a mãe não buscaria seus
filhos na porta da escola, o passeio no parquinho e no shopping não podia mais
acontecer nos finais de semana, os adolescentes não podiam mais ir ao cinema
juntos ou se encontrarem na praça.
Tudo isso que parece tão corriqueiro e rotineiro deixou de
existir, perdeu função. Tudo se misturou, casa, trabalho e escola acontecendo
num lugar que nos é sagrado, nossa casa, nosso lugar de refúgio e descanso
perdeu essa referência. Crianças e adultos disputando o mesmo computador pra
estudar, pra trabalhar, todo mundo de pijama, ao menos da cintura pra baixo,
porque aquela imagem e postura profissional, ficou resumida ao que a tela do
computador registra quando estamos sentados, não é mesmo?
Crianças e jovens tendo suas vidas atravessadas por perdas
extremamente significativas, dentre elas o convívio com seus pares que trazem
algo de grande relevância principalmente nessas fases da vida, as trocas, as
vivências, esse laboratório de experimentos que o laço social promove nas
escolas, no curso de idiomas, nas festas, nos encontros, na brincadeira
combinada na casa de um dos amigos, na festa do pijama, com os namoros, na
turma que se encontrava pra jogar uma partidinha de volleyball, as conversas
descomprometidas no portão da casa do colega, enfim.
Crianças, que por estarem tanto tempo restritos a companhia e
cuidados de seus pais regrediram, se mostrando infantilizadas e inseguros
diante da impossibilidade de não poderem lidar com suas questões que a escola e
as trocas sociais tão bem os impõe.
E então, o que fazemos com tudo isso que é tão invasivo? Como
lidar com essa sensação de dualidade, EXCESSO X FALTA? Sim, porque é justamente
disso que se trata, pois se de um lado nos livramos do trânsito para ir ao
trabalho, levar os filhos à escola, ou do tumulto do supermercado, por outro
lado temos perdido a oportunidade de algo fundamental para a construção e
subjetividade do sujeito, O LAÇO SOCIAL, e como diz o caríssimo filósofo LUIZ
FELIPE PONDÉ, a vida é presencial por natureza. Desde os primórdios, a evolução
do ser humano se deu por conta das trocas, da fala, do coletivo.
Nós nos constituímos através do olhar do outro, parafraseando
Jacques Lacan, tudo o que desejamos é sermos desejados pelo outro. O abraço, os
beijos, esse “’relar” com o outro do qual tanto estamos acostumados, pra nos
sentirmos parte de algo e acolhidos, deixou de existir e muitos de nós estamos
enlutados por isso.
Na clínica, tenho ouvido muitas queixas de crianças, jovens e
casais, querendo suas vidas de volta. Muitas separações, muitas desavenças
familiares, enfim... pautadas nesse misto de excessos e faltas.
Pra alguns tudo isso é muito difícil, pra outros nem tanto,
talvez algumas pessoas se sinta inclusive muito mais confortáveis permanecendo
em casa num novo estilo de vida. Pra algumas famílias, está sendo uma boa
oportunidade de manejar toda essa nova dinâmica pra ficar próximo dos seus e
pra outras esteja sendo muito conflituoso. Inclusive temos tido relatos de
casais que se uniram na crise para empreenderem. Assim como os sujeitos são
diversos, também são suas saídas.
Nosso querido Freud já nos dizia que o que tentamos fazer o
tempo todo é nos esvaziarmos do desprazer, num ciclo constante, num processo
inconsciente e muita das vezes também consciente, permanecemos nesse “looping”,
nesse movimento de feitura constante que oscila entre prazer e desprazer, uma
dinâmica que ao tempo todo nos exige atender nossas pulsões que emergem como uma força avassaladora nos
convocando a serem atendidas.
O que tem sido a pandemia para você? Como você tem lidado com
essa circunstância de vida? Para deixar como reflexão e trabalho de análise,
deixo aqui uma máxima de Nietzschie “O que não me mata me fortalece”. Vale
dizer que trago esse pensamento pautado na bela fala de meu professor
“Auterives Maciel”, quando num Congresso recente, fez uma articulação brilhante
nos convocando a pensar que o ser humano pode transformar suas dores e maiores
dificuldades em algo brilhante, se assim for seu desejo. Transformando dores e
dificuldades em resultados, possíveis saídas que no primeiro momento pareciam
não ter solução, num movimento sublimatório.
Proponho pensarmos que a vida nunca é um ponto final, ela
pode ser reticências... a escolha é sempre sua.
Nesse momento (julho de 2021), já temos uma esperança de
recuperarmos ao menos parte do que nossa vida já foi, pois temos a vacina.
Prova de que as coisas mudam numa velocidade incrível. Esse velocímetro da vida
pode até mesmo alterar a velocidade, nunca é constante, mas ele nunca para
enquanto estivermos vivos.
COMO TEM SIDO LIDAR COM SUA FAMÍLIA?
QUAL É A SUA ESCOLHA???
Andréa Pinheiro Bonfante-Psicanalista
Mestre e Doutoranda em Psicanálise
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