O MACHISMO DESDE SEMPRE - QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DESTE DISCURSO
SOBRE O FEMININO?
Olá, caro leitor e leitora! Que bom ter você por aqui!
Frente a tela do computador, vejo o cursor piscando e
me ponho a pensar o que trarei para vocês como proposta
de reflexão, já que o tema é tão amplo e complexo. O que
dizer sobre o machismo que já não tenha sido dito antes?
Sim, temos falado muito sobre isto nos últimos tempos,
mas a sensação que tenho é que estamos “enxugando
gelo”, ou rodando em círculos, sem chegarmos a lugar
nenhum. Talvez você pense que eu esteja sendo pessimista,
já que de alguma forma, ao menos hoje, consigamos expor
em voz alta o nosso mal-estar diante da ditadura do
machismo. Mas será que de fato estamos mesmo
progredindo quando o assunto é a posição da mulher no
laço social frente ao império machista?
Vamos lá. Antes de tudo, vamos entender o que significa
machismo na etimologia da palavra? Vamos ao dicionário:
substantivo
1. Comportamento que rejeita a igualdade de condições
sociais e direitos entre homens e mulheres;
2. Qualidade, ação ou modos de macho ('ser humano
do sexo masculino', 'valentão'); macheza
3. Informal, exagerado senso de orgulho masculino;
virilidade agressiva; macheza.
Isso posto, vamos iniciar nossas reflexões a partir da
primeira e a terceira definição que o dicionário nos
apresenta e que me chamaram mais a atenção:
1-“comportamento que rejeita a igualdade de condições
sociais e direitos entre homens e mulheres”. 3-“ exagerado
senso de orgulho masculino; virilidade agressiva;
macheza”
A primeira definição fala sobre uma rejeição à
igualdade de condição social e de direitos entre homens e
mulheres. E quais seriam as razões pelas quais muitos
homens rejeitem essa igualdade? E não estamos falando de
igualdade física, fisiológica ou biológica, porque sim,
somos diferentes, e que bom por isso. Estamos trazendo à
pauta uma resistência a reconhecer os direitos iguais numa
condição social que deveria enxergar a mulher como
cidadã, e muito mais do que isso, como um sujeito em pé
de igualdades que vão desde a não sermos desrespeitadas
no trânsito até igualdade de salários e reconhecimento
profissional, dentre tantas outras questões sociais que não
respeitadas, colocam as mulheres diante de uma grande
vulnerabilidade social e principalmente psicológica.
A terceira definição citada acima traz à pauta o
exagerado senso de orgulho masculino; virilidade
agressiva; macheza. Esse orgulho que junto à ideia de
virilidade e macheza, traz como consequência um posicionamento agressivo diante das mulheres, onde se é
permitido falar em voz alta, arregalar os olhos numa
atitude ameaçadora, dar socos na mesa, nas paredes, usar
adjetivos pejorativos e ofensivos, e muito mais. Temos
tido notícias dessas relações abusivas e violentas
diariamente nas mídias, na família, na vizinhança do
nosso bairro, com a amiga de uma amiga, e em inúmeros
contextos e situações que atingem todas as classes sociais.
A violência como sintoma de um posicionamento
machista, não é restrito às classes sociais menos
privilegiadas, ela é de toda a ordem. A diferença talvez,
consista naquilo que é velado, quando estamos falando de
uma classe social mais abastada, digamos assim, e
escancarada quando a cena está ao redor da pobreza.
Mas vamos ao título que trago a vocês ao dizer que o
machismo é desde sempre. O machismo é estrutural, está
diretamente relacionado à história do Homem, e escrevo
aqui com “H” maiúsculo para me referir à espécie
humana. Desde os primórdios, a história traz o homem
como o descobridor dos sete mares, o senhor das
conquistas e das guerras, dos impérios, da força. Sim, não
é
problema algum reconhecermos que eles sempre
estiveram lá, realizando conquistas frente os campos de
batalha, e temos de pensar que seria extremamente
perigoso para as mulheres estarem entre esses homens
compartilhando conquistas, já que o corpo da mulher é
suscetível ao abuso e à violência sexual.
A história deixa
clara as inúmeras violências que as mulheres sofreram
durantes as guerras e conquistas de territórios. Os
números falam por si só. Os homens sempre colocaram as
mulheres nessa condição de objeto nesses cenários dos
quais acabei de citar. Nesses espaços, o machismo na sua
mais ampla definição, sempre colocou a mulher nessa
condição de vulnerabilidade. E onde estiveram as
mulheres enquanto a História acontecia? Elas estavam nos
bastidores, muita das vezes dando suporte a esses homens
com trabalhos administrativos, contribuindo em várias
atuações com sua inteligência, ou cuidando da família, dos
filhos, da casa, ou simplesmente esperando que seus
homens voltassem vivos ou até mesmo com alguma caça
para
alimentar seus rebentos, se fizermos uma
retrospectiva ainda mais extensa e formos revisitar a pré-história, e os hieróglifos traduzem em desenhos essas
narrativas nas paredes das cavernas que um dia foi o lar
dessas tribos.
Enfim, dei toda essa volta, visitando os primórdios, para
nos situarmos melhor na questão histórica, cultural e social
visando compreender a razão pela qual o machismo, ainda
hoje é tão presente no laço social de forma tão arraigada.
Um discurso que me soa como uma herança psíquica
transgeracional, que se repete e se repete pedindo
simbolização. As heranças transgeracionais são aquelas que
se repetem como sintoma, justamente porque não puderam
ser
elaboradas,
ressignificadas.
Já
as
heranças
intergeracionais, são heranças psíquicas que puderam ser
elaboradas, trabalhadas. Heranças as quais nos sentimos
orgulhosos de transmitir às novas gerações. E vale aqui
dizer, que aquilo que um dia foi herança transgeracional,
pode ser ressignificado e se tornar intergeracional. E isso
acontece quando o sujeito olha para a história , não se agra
da dela e decide, de alguma forma, mudar, fazer diferente,
e brincando com as palavras, mudar os ingredientes da
receita para que o bolo saia mais gostoso, mais palatável.
Ingrediente vencido pode resultar em bolo solado, não é
mesmo?
E quais são as consequências desse discurso sobre o
feminino? Chegamos ao ponto crucial, ou seja, o efeito de
tudo isso sobre as mulheres e em suas vidas. Como o
machismo impacta a mulher? O efeito de posicionamentos
machistas é o que eu mais vejo, não apenas como
psicanalista, mas também como mulher, num mundo
patriarcal, onde as regras do jogo ainda são ditas pelos
homens na sua maioria, e assim como todas as mulheres,
sofro os impactos e consequências disto todos os dias,
entretanto, sempre alerta e lutando para defender meus
espaços e direitos. O efeito de tudo o que falamos até aqui
chega através das falas inconformadas de mulheres que
mesmo tendo conquistado uma carreira profissional e
independência financeira, ainda tenham que continuar
lutando diariamente para que não sejam desvalidadas em
seus discursos.
Chega através da queixa recorrente de
mulheres que permanecem em relacionamentos abusivos,
porque acabam acreditando no discurso de sua
impotência, e por essa razão acabam se cristalizando na
ideia de que não merecem ser amadas, reconhecidas e tão
pouco respeitadas, pois sobre ser mulher é merecer mesmo
migalhas, e dito isto, qualquer coisa serve. Também chega
na insegurança de não se reconhecer como um sujeito
autônomo e capaz de conduzir sua própria vida, de tanto
ouvir os mesmos discursos de que mulher não deve sair so
zinha, de que ela é um ser frágil, menos inteligente, de que
deve permanecer calada suportando tudo, e quando ela se
rebela, é nomeada como louca e desequilibrada.
A
insegurança é tamanha, porque esse foi o discurso que
ouviu desde menina, que ela chega até mesmo a acreditar
de que a culpa do relacionamento não ter dado certo foi
dela. De ter sido a única responsável pela criação
desfuncional dos filhos, de ter sido ofendida no trânsito,
pois afinal de contas “mulher no volante, perigo
constante”. E essa é apenas a ponta do iceberg. A lista não
caberia nem mesmo num livro de 1.000 páginas, haja vista
que o machismo transcende territórios, alcança culturas,
povos, etnias, religiões diversas, e em cada um desses
espaços de forma mais ou menos intensa, em pleno século
XXI, lidamos com a ditadura do machismo.
Entretanto algo também precisa ser colocado como
uma reflexão que pode não agradar muitas mulheres. Será
que o discurso machista é posto apenas por homens? Será
que muitas mulheres de forma consciente e até mesmo
inconsciente não continuam replicando e validando esse
discurso? De tanto ouvirem desde muito pequenas de seus
pais e muitas vezes de suas próprias mães frases como
“fecha a perna menina”, “olha os modos”, “menina não
pode falar alto que é feio”, “pare com essa rebeldia”, “tá
parecendo um homem, tomando decisões sozinha”, a
menina cresce colada na ideia de submissão, impregnada
de pré-conceitos. Eis aqui a questão novamente das
heranças transgeracionais, que se repetem como efeito
daquilo que foi vivido, aprendido, mas que não pôde ser
ressignificado.
Já ouvi histórias de várias mulheres que dão provas do
quanto o discurso machista se manifesta de forma até
mesmo velada em vários espaços. Tenho uma amiga que é
doutora em psicanálise e seu companheiro, que também é
psicanalista, não tem esse título, mas os porteiros do
edifício onde funciona a clínica deles, todos os dias o
cumprimenta dizendo “Bom dia Doutor!” e a ela, se
dirigem com um “Oi Dona!”. A mesma pessoa comentou
que um dos seus amigos, muito próximo inclusive, sempre
se referiu ao seu marido como “Fala Doutor”, e mesmo
sabendo que ela, também sua amiga, acabara de
conquistar seu título de Doutora frente a uma banca
desafiadora, nunca se dirigiu a ela dizendo “Fala
Doutora!”. Já em outros contextos e espaços, outras
amigas próximas se queixam de serem mal atendidas
quando precisam ir a uma oficina mecânica, ou que
tentam apresentar um orçamento exorbitante, pois afinal
de contas, mulher não entende nada de carro, não é
mesmo? E muitos homens concordam com essa ideia,
acham que não, porque preferem acreditar na grande
falácia de nossa menos valia. A mulher desde sempre
deixou e ainda deixa marcas incontestáveis na História,
dando provas da sua capacidade, resiliência a adaptações.
Charles Darwin, em seu livro “Evolução das Espécies”,
deixa claro que sobrevive não o mais forte, mais aquele
que tem a maior capacidade adaptativa, e as mulheres,
com toda certeza, durante anos tem dado provas disto. E
como costumo dizer, ser mulher é um ato de resistência.
Somos como fênix, ressurgimos das cinzas todos os dias,
em todas as circunstâncias, lutando contra o discurso machista e provando diariamente o valor do feminino.
por Dra.Andréa Pinheiro- Psicanalista
Mestre e Doutora em Psicanálise, Saúde e Sociedade
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