Psicanalista Mestre e Doutoranda em Psicanálise

segunda-feira, 28 de julho de 2025

O MACHISMO DESDE SEMPRE - QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DESTE DISCURSO SOBRE O FEMININO?

  O MACHISMO DESDE SEMPRE - QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DESTE DISCURSO SOBRE O FEMININO?



Olá, caro leitor e leitora! Que bom ter você por aqui! Frente a tela do computador, vejo o cursor piscando e me ponho a pensar o que trarei para vocês como proposta de reflexão, já que o tema é tão amplo e complexo. O que dizer sobre o machismo que já não tenha sido dito antes?

Sim, temos falado muito sobre isto nos últimos tempos, mas a sensação que tenho é que estamos “enxugando gelo”, ou rodando em círculos, sem chegarmos a lugar nenhum. Talvez você pense que eu esteja sendo pessimista, já que de alguma forma, ao menos hoje, consigamos expor em voz alta o nosso mal-estar diante da ditadura do machismo. Mas será que de fato estamos mesmo progredindo quando o assunto é a posição da mulher no laço social frente ao império machista?



Vamos lá. Antes de tudo, vamos entender o que significa machismo na etimologia da palavra? Vamos ao dicionário: substantivo 1. Comportamento que rejeita a igualdade de condições sociais e direitos entre homens e mulheres; 2. Qualidade, ação ou modos de macho ('ser humano do sexo masculino', 'valentão'); macheza 3. Informal, exagerado senso de orgulho masculino; virilidade agressiva; macheza. 

Isso posto, vamos iniciar nossas reflexões a partir da primeira e a terceira definição que o dicionário nos apresenta e que me chamaram mais a atenção: 1-“comportamento que rejeita a igualdade de condições sociais e direitos entre homens e mulheres”. 3-“ exagerado senso de orgulho masculino; virilidade agressiva; macheza”

A primeira definição fala sobre uma rejeição à igualdade de condição social e de direitos entre homens e mulheres. E quais seriam as razões pelas quais muitos homens rejeitem essa igualdade? E não estamos falando de igualdade física, fisiológica ou biológica, porque sim, somos diferentes, e que bom por isso. Estamos trazendo à pauta uma resistência a reconhecer os direitos iguais numa condição social que deveria enxergar a mulher como cidadã, e muito mais do que isso, como um sujeito em pé de igualdades que vão desde a não sermos desrespeitadas no trânsito até igualdade de salários e reconhecimento profissional, dentre tantas outras questões sociais que não respeitadas, colocam as mulheres diante de uma grande vulnerabilidade social e principalmente psicológica.

A terceira definição citada acima traz à pauta o exagerado senso de orgulho masculino; virilidade agressiva; macheza. Esse orgulho que junto à ideia de virilidade e macheza, traz como consequência um posicionamento agressivo diante das mulheres, onde se é permitido falar em voz alta, arregalar os olhos numa atitude ameaçadora, dar socos na mesa, nas paredes, usar adjetivos pejorativos e ofensivos, e muito mais. Temos tido notícias dessas relações abusivas e violentas diariamente nas mídias, na família, na vizinhança do nosso bairro, com a amiga de uma amiga, e em inúmeros contextos e situações que atingem todas as classes sociais.



 A violência como sintoma de um posicionamento machista, não é restrito às classes sociais menos privilegiadas, ela é de toda a ordem. A diferença talvez, consista naquilo que é velado, quando estamos falando de uma classe social mais abastada, digamos assim, e escancarada quando a cena está ao redor da pobreza.

 Mas vamos ao título que trago a vocês ao dizer que o machismo é desde sempre. O machismo é estrutural, está diretamente relacionado à história do Homem, e escrevo aqui com “H” maiúsculo para me referir à espécie humana. Desde os primórdios, a história traz o homem como o descobridor dos sete mares, o senhor das conquistas e das guerras, dos impérios, da força. Sim, não é problema algum reconhecermos que eles sempre estiveram lá, realizando conquistas frente os campos de batalha, e temos de pensar que seria extremamente perigoso para as mulheres estarem entre esses homens compartilhando conquistas, já que o corpo da mulher é suscetível ao abuso e à violência sexual. 




A história deixa clara as inúmeras violências que as mulheres sofreram durantes as guerras e conquistas de territórios. Os números falam por si só. Os homens sempre colocaram as mulheres nessa condição de objeto nesses cenários dos quais acabei de citar. Nesses espaços, o machismo na sua mais ampla definição, sempre colocou a mulher nessa condição de vulnerabilidade. E onde estiveram as mulheres enquanto a História acontecia? Elas estavam nos bastidores, muita das vezes dando suporte a esses homens com trabalhos administrativos, contribuindo em várias atuações com sua inteligência, ou cuidando da família, dos filhos, da casa, ou simplesmente esperando que seus homens voltassem vivos ou até mesmo com alguma caça para alimentar seus rebentos, se fizermos uma retrospectiva ainda mais extensa e formos revisitar a pré-história, e os hieróglifos traduzem em desenhos essas narrativas nas paredes das cavernas que um dia foi o lar dessas tribos. 

 Enfim, dei toda essa volta, visitando os primórdios, para nos situarmos melhor na questão histórica, cultural e social visando compreender a razão pela qual o machismo, ainda hoje é tão presente no laço social de forma tão arraigada. Um discurso que me soa como uma herança psíquica transgeracional, que se repete e se repete pedindo simbolização. As heranças transgeracionais são aquelas que se repetem como sintoma, justamente porque não puderam ser elaboradas, ressignificadas. Já as heranças intergeracionais, são heranças psíquicas que puderam ser elaboradas, trabalhadas. Heranças as quais nos sentimos orgulhosos de transmitir às novas gerações. E vale aqui dizer, que aquilo que um dia foi herança transgeracional, pode ser ressignificado e se tornar intergeracional. E isso acontece quando o sujeito olha para a história , não se agra da dela e decide, de alguma forma, mudar, fazer diferente, e brincando com as palavras, mudar os ingredientes da receita para que o bolo saia mais gostoso, mais palatável. Ingrediente vencido pode resultar em bolo solado, não é mesmo?




 E quais são as consequências desse discurso sobre o feminino? Chegamos ao ponto crucial, ou seja, o efeito de tudo isso sobre as mulheres e em suas vidas. Como o machismo impacta a mulher? O efeito de posicionamentos machistas é o que eu mais vejo, não apenas como psicanalista, mas também como mulher, num mundo patriarcal, onde as regras do jogo ainda são ditas pelos homens na sua maioria, e assim como todas as mulheres, sofro os impactos e consequências disto todos os dias, entretanto, sempre alerta e lutando para defender meus espaços e direitos. O efeito de tudo o que falamos até aqui chega através das falas inconformadas de mulheres que mesmo tendo conquistado uma carreira profissional e independência financeira, ainda tenham que continuar lutando diariamente para que não sejam desvalidadas em seus discursos. 

Chega através da queixa recorrente de mulheres que permanecem em relacionamentos abusivos, porque acabam acreditando no discurso de sua impotência, e por essa razão acabam se cristalizando na ideia de que não merecem ser amadas, reconhecidas e tão pouco respeitadas, pois sobre ser mulher é merecer mesmo migalhas, e dito isto, qualquer coisa serve. Também chega na insegurança de não se reconhecer como um sujeito autônomo e capaz de conduzir sua própria vida, de tanto ouvir os mesmos discursos de que mulher não deve sair so zinha, de que ela é um ser frágil, menos inteligente, de que deve permanecer calada suportando tudo, e quando ela se rebela, é nomeada como louca e desequilibrada. 




A insegurança é tamanha, porque esse foi o discurso que ouviu desde menina, que ela chega até mesmo a acreditar de que a culpa do relacionamento não ter dado certo foi dela. De ter sido a única responsável pela criação desfuncional dos filhos, de ter sido ofendida no trânsito, pois afinal de contas “mulher no volante, perigo constante”. E essa é apenas a ponta do iceberg. A lista não caberia nem mesmo num livro de 1.000 páginas, haja vista que o machismo transcende territórios, alcança culturas, povos, etnias, religiões diversas, e em cada um desses espaços de forma mais ou menos intensa, em pleno século XXI, lidamos com a ditadura do machismo.

 Entretanto algo também precisa ser colocado como uma reflexão que pode não agradar muitas mulheres. Será que o discurso machista é posto apenas por homens? Será que muitas mulheres de forma consciente e até mesmo inconsciente não continuam replicando e validando esse discurso? De tanto ouvirem desde muito pequenas de seus pais e muitas vezes de suas próprias mães frases como “fecha a perna menina”, “olha os modos”, “menina não pode falar alto que é feio”, “pare com essa rebeldia”, “tá parecendo um homem, tomando decisões sozinha”, a menina cresce colada na ideia de submissão, impregnada de pré-conceitos. Eis aqui a questão novamente das heranças transgeracionais, que se repetem como efeito daquilo que foi vivido, aprendido, mas que não pôde ser ressignificado.





Já ouvi histórias de várias mulheres que dão provas do quanto o discurso machista se manifesta de forma até mesmo velada em vários espaços. Tenho uma amiga que é doutora em psicanálise e seu companheiro, que também é psicanalista, não tem esse título, mas os porteiros do edifício onde funciona a clínica deles, todos os dias o cumprimenta dizendo “Bom dia Doutor!” e a ela, se dirigem com um “Oi Dona!”. A mesma pessoa comentou que um dos seus amigos, muito próximo inclusive, sempre se referiu ao seu marido como “Fala Doutor”, e mesmo sabendo que ela, também sua amiga, acabara de conquistar seu título de Doutora frente a uma banca desafiadora, nunca se dirigiu a ela dizendo “Fala Doutora!”. Já em outros contextos e espaços, outras amigas próximas se queixam de serem mal atendidas quando precisam ir a uma oficina mecânica, ou que tentam apresentar um orçamento exorbitante, pois afinal de contas, mulher não entende nada de carro, não é mesmo? E muitos homens concordam com essa ideia, acham que não, porque preferem acreditar na grande falácia de nossa menos valia. A mulher desde sempre deixou e ainda deixa marcas incontestáveis na História, dando provas da sua capacidade, resiliência a adaptações.


 Charles Darwin, em seu livro “Evolução das Espécies”, deixa claro que sobrevive não o mais forte, mais aquele que tem a maior capacidade adaptativa, e as mulheres, com toda certeza, durante anos tem dado provas disto. E como costumo dizer, ser mulher é um ato de resistência. Somos como fênix, ressurgimos das cinzas todos os dias, em todas as circunstâncias, lutando contra o discurso machista e provando diariamente o valor do feminino.



por Dra.Andréa Pinheiro- Psicanalista
Mestre e Doutora em Psicanálise, Saúde e Sociedade

terça-feira, 22 de julho de 2025

SOLIDÃO OU SOLITUDE? Do naSER ao envelheSER

 


SOLIDÃO OU SOLITUDE? Do naSER ao envelheSER 


Inicio essa proposta reflexiva trazendo a vocês a letra da música do cantor e compositor Alceu Valença- "Solidão", onde ele fala da ferocidade da solidão que nos devora, que dialoga com o tempo,  descompassa o ritmo de nosso coração e que inerente a nossa localização geográfica, ela nos acompanhará:

SOLIDÃO - ALCEU VALENÇA

 

A solidão é fera, a solidão devora
É amiga das horas, prima-irmã do tempo
E faz nossos relógios caminharem lentos
Causando um descompasso no meu coração

A solidão é fera, a solidão devora
É amiga das horas, prima-irmã do tempo
E faz nossos relógios caminharem lentos
Causando um descompasso no meu coração
Solidão

A solidão é fera
É amiga das horas
É prima-irmã do tempo
E faz nossos relógios caminharem lentos
Causando um descompasso no meu coração

A solidão dos astros
A solidão da Lua
A solidão da noite
A solidão da rua

A solidão é fera, a solidão devora
É amiga das horas, prima-irmã do tempo
E faz nossos relógios caminharem lentos
Causando um descompasso no meu coração

A solidão é fera
É amiga das horas
É prima-irmã do tempo
E faz nossos relógios caminharem lentos
Causando um descompasso no meu coração

A solidão dos astros
A solidão da Lua
A solidão da noite
A solidão da rua


Isso dito, divido aqui com vocês, uma escrita, que faz parte de um projeto de antologias que fui convidada a participar. Nele, 20 autores da área "psi", psicanalistas, psicólogos e áreas afins, se dispuseram a escrever sobre o tema. Na parte que me coube, eu a compartilho aqui com meus leitores.

Vamos lá?

Solidão ou Solitude?

-Do nascer ao envelhecer-

 

 [...] a solidão é uma ilusão, porque em última instância a gente nunca está sozinho, mas está com a gente mesmo[...]

(Ana Suy)

 

       Quando recebi o convite para participar deste projeto de antologias, me senti muito desejosa de me colocar aqui como uma colega de leitura, de me aproximar de você leitor e tentar lhe seduzir num bate-papo com bastante intimidade, algo pouco provável quando se escreve uma dissertação de mestrado ou se defende uma tese de doutorado frente a uma banca, já que a linguagem formal é exigida, como uma condição inegociável, pois a nossa proposta nestas páginas é que consigamos estabelecer um diálogo informal e não acadêmico.


    Aqui com vocês a conversa pode ser outra. Aqui, me permitirei falar de forma clara e descontraída, pois sobre a vida cotidiana, é disso que se trata, é sobre vivências e experiências. Aqui, a teoria conta, é claro, pois caso contrário eu não teria sido convidada a dividir com vocês meus conhecimentos, mas o que mais importa de fato é promover um diálogo entre conhecimento e vivência para que haja verdade no que pretendo trazer aqui aos leitores, que acredito estejam curiosos e ansiosos para entender, ou tentar entender afinal de contas, o que é solidão e solitude. Seria a mesma coisa sob perspectivas diferentes? Por que temos falado tanto sobre solidão nos tempos contemporâneos? O que é a solidão para cada um de nós? Será mesmo que a solidão necessariamente tem de estar relacionada a um sentimento de desamparo? Seria a solitude uma reconfiguração da solidão? Sinceramente eu não trago respostas, pois a vida definitivamente não é um gabarito de prova de múltipla escolha, onde dentre as opções de resposta, apenas uma esteja correta. O que eu proponho aqui são reflexões. Se você caro leitor, topa esse desafio, vamos juntos embarcar nessa viagem.






        Tenho lido muito sobre a solidão e solitude nos últimos tempos, talvez por conta da idade. Uma mulher aos seus 59 anos, menopausada, acaba por esbarrar ou porque não dizer, “trombar de frente” com a questão da tão dita solidão, pois o tempo, a transitoriedade acabam por nos colocar diante de uma solidão muito subjetiva. Mas, preciso deixar bem claro, que falo aqui sobre a minha experiência e não tenho a menor pretensão de dizer que toda mulher aos 59 anos e menopausada sinta da mesma forma o que eu trago aqui.         

        Confesso, que mesmo tendo ouvido de muitos escritores que essa coisa de solitude não passa de um jargão ou um modismo cafona, para mim, enquanto escritora e pesquisadora, a palavra solitude faz muito sentido.  Penso que  solitude seja uma oportunidade de ressignificar a sensação de desemparo que a palavra solidão possa nos trazer. Talvez possamos considerar que seja um isolar-se voluntariamente, um voltar-se para si, uma constante aprendizagem em fazer de sua própria presença uma excelente companhia. Dias atrás esbarrei num post do Instagram de autor desconhecido que dizia exatamente isso  que escrevo abaixo sobre a solitude e decidi compartilhar aqui com vocês:


"Solitude é quando você aprende a amar sua companhia. É quando você entende que não há nada de errado em estar sozinho. É quando você se completa, pois o que importa, antes de estar bem com os outros, é estar bem consigo mesmo".







         Mas vamos abrir parênteses aqui sobre esse pequeno texto, principalmente no que se refere ao se completar. É preciso deixar bem claro que não há completude de fato, o que há é uma sensação temporária e ilusória de tamponamento da falta. O sujeito vive às voltas em preencher seus buraquinhos simbólicos para evitar o desprazer, num movimento constante e cíclico, pois logo depois da ilusão do preenchimento da falta, ele cai novamente no vazio. Isso é sobre sermos humanos, e que bom que seja assim, pois essa busca nos movimenta, nos tira da inércia, nos desloca do perigoso lugar da satisfação, que pode nos paralisar.





     O autor Mário Sérgio Cortella, educador e filósofo contemporâneo traz em seu livro “Provocações Filosóficas” uma máxima de Guimarães Rosa ao dizer que o animal satisfeito dorme, ou seja, que a suposta satisfação possa nos colocar num lugar de adormecimento diante da vida, e diferente dos animais irracionais, para nós humanos, esse adormecimento possa ser uma sentença de morte. Desta forma, a inquietação é bem-vinda. Se inquieta quem tem desejo.


     Para além desta consideração, o texto de autor desconhecido conversa com o recorte do livro da autora Ana Suy que trago no início de minha escrita, quando ela diz que a solidão não passa de uma ilusão, pois em última instância, estamos sempre conosco. Talvez seja essa uma das grandes questões. Será que nos damos conta de que sempre estaremos conosco? Essa, a meu ver é a proposta de pensarmos solitude como uma estratégia de reconhecimento de nossa própria companhia.


       Vale dizer que a solidão é uma experiência inerente à espécie humana. O sentimento de solidão nos remete a um estado de desamparo infantil, uma sensação que nos faz voltar à cena primária onde o bebê precisa ser cuidado, amparado e investido para sobreviver. E de certa maneira, seguimos repetindo essa busca durante toda a nossa vida, sempre tentando retornar ao seio da mãe em busca do prazer do acolhimento e da sensação de cuidado e amparo. Freud, o pai da psicanálise, descreveu a solidão como um dos quatro tipos de angústia básica que todos nós experimentamos, juntamente com a angústia da morte e da perda de amor. Aqui as palavras morte e perda podem nos dar a dimensão do que a solidão possa significar para cada sujeito e o quão impactante e desafiador seja para cada um de nós manejá-la.






       Quando nascemos, o parto por si só, já nos coloca neste lugar de ruptura com o ventre materno. Nascer é um evento solitário, por mais que estejamos cercados por uma equipe de profissionais num centro cirúrgico, ou até mesmo em outras circunstâncias mais intimistas como um parto natural em casa. O bebê, no momento em que é dado à luz, no instante em que chega ao mundo, ele está só. Não à toa, costuma-se muitas vezes usar a expressão “um parto” para algo difícil e complexo. Do momento em que se nasce até a velhice e porque não dizer até a morte, seguimos às voltas com nossa solidão. “Ser” do nascer ao envelhecer. Na tentativa de conjugar o verbo SER, seguimos tentando ao longo da nossa vida transformar nossa solidão em solitude.


     Temos a ilusão de conseguir diminuir a angústia da solidão nos aproximando dos excessos e um desses excessos é pensar que em meio a uma multidão não nos sentiremos sós. Ledo engano. Me lembro de uma experiência pessoal que vivi a muitos anos, onde num imenso pavilhão de eventos, cercada de muitos amigos e de uma multidão de pessoas que estavam ali para apreciar o show de um cantor famoso, eu atravessada pelas minhas dores, pois estava passando por um momento difícil em minha vida, desabo a chorar, e nesse instante, cercada de pessoas eu me senti imensamente solitária. Nem mesmo as milhares de pessoas que estavam ali, deram conta de amenizar a minha sensação de desamparo, de recobrir a minha falta, porque a solidão que eu sentia estava em mim, eu me sentia sozinha em mim, me sentia vazia, vivendo o luto de minhas perdas. Lembra quando em alguns parágrafos atrás eu trago as considerações de Freud, o pai da psicanálise, ao dizer que a solidão se equipara à angústia de morte e a perda do amor? Então, eu estava às voltas com isto, tentando elaborar a perda de um grande amor, e me sentia completamente só, mesmo cercada por uma multidão.


         Costumamos tentar suprir nossos vazios, nossa solidão da vida com excessos. Muito consumismo, muita comida, muitos vícios, muita gente, muito tudo. Excessos que transbordam e que no final das contas conseguem suprir absolutamente nada, apenas dão a ilusão de preenchimento, que por ser ilusório se esvai, não se sustenta porque não é genuíno, não é verdadeiro. Talvez seja essa a “pegada” de pensarmos solitude como uma possibilidade de criarmos condições e estratégias de lidarmos com nossa solidão de uma forma criativa e elaborada, dialogando com nossos desejos.


        Simpatizo muito com a ideia de que a solitude seja um autocuidado, uma forma de nos priorizarmos e principalmente ficarmos atentos à manutenção de nossa saúde emocional. Em tempos de excessos, priorizar-se é condição fundamental para nos mantermos minimamente saudáveis, já que o todo é pura ilusão. É muito mais sobre pensarmos qualidade do que quantidade.


         O que a transitoriedade da vida, as metamorfoses pelas quais atravessamos durante a vida nos provoca? Caminhar na direção do envelhecer pode nos trazer muitos desconfortos, pois é uma questão da qual não podemos fugir, mas sim ressignificar, fazer diferente tanto em conceito como em atitudes. Solitude pode ser exatamente isto, um conceito complexo e profundamente pessoal. Para alguns, representa um refúgio tranquilo, uma chance de refletir e recarregar as energias, encontrar-se em si para tentar dar conta das intempéries da vida. E para você? O que é solidão e o que é solitude? Vamos pensar juntos? 


Andréa Pinheiro Bonfante- Doutora e Mestre em Psicanálise-