Psicanalista Mestre e Doutoranda em Psicanálise

quinta-feira, 1 de julho de 2021

 

A FAMÍLIA NA PANDEMIA




 

Ainda no final de 2019, já tínhamos conhecimento da COVID 19- mas ela nos parecia muito distante, na China, do outro lado do mundo. Como ela poderia chegar aqui? Demos de ombro e seguimos em frente. Carnaval!!! Fronteiras abertas, folia ...ohhh abram alas que eu quero passar, mas parece que quem passou mesmo foi o CORONAVÍRUS.

Passou, chegou, sentou e ficou sem pedir licença, tomou conta do mundo, do Brasil. E logo em seguida, me lembro muito bem, no dia 11 de março, chega-nos a notícia de que estávamos enfrentando uma PANDEMIA. Num programa de domingo na mesma semana, através de uma reportagem, damo-nos conta da seriedade dos fatos.

O mundo atônito, colocou-se de boca aberta diante de algo que nós nem ao menos sabíamos bem o que era. Mas algo já estava claro, a doença MATA. Isolamento social, comércio, escolas, tudo fechado, apenas os serviços essenciais permaneceram abertos. O cenário de todas as cidades parecia mais um cena hollywoodiana da série “THE WALKING DEAD”, e de fato a morte rondava, o medo se instalou.

E é uma tendência bastante comum do ser humano congelar-se diante do novo, principalmente diante de algo que ameaça nossa vida. Sobre a morte não temos registro, isso é fato, e talvez até mesmo por isso, nos sintamos tão desconfortáveis e  AMEAÇADOS. Nesse momento, a morte toma aquela forma bastante comum que costumamos ver em charges e desenhos animados “Um espectro vestido de preto com uma foice na mão”.  Ela vem ceifar nossas vidas.

E infelizmente a doença foi avassaladora, nos tomou muito mais do que vidas, nos tomou emprego, a liberdade de ir e vir, planos e sonhos tiverem de ser adiados (por tempo indeterminado), as instituições educacionais tiverem de se reinventar na modalidade on-line e EAD, assim como o trabalho de muitos. Passeios, viagens, o tão famoso “happy-hour” no final dos expedientes... ahh, nem pensar, a cervejinha com o amigo confidente no sábado à tarde, a partida de futebol com os colegas no domingo...de jeito nenhum, visitar os familiares não pode, comemorar aniversários também não e por aí vai.

De repente não nos era permitido fazer MAIS NADA, absolutamente nada. Como assim? Nos perguntávamos o tempo todo. Mas esperançosos dizemos a nós mesmos, “Tudo isso vai passar logo”, “A quarentena não vai durar mais do que 15 dias, no máximo em um mês já retornaremos as atividades normais... SÓ QUE NÃO, NOSSA PREVISÃO INICIAL FALHOU.

A cada dia as notícias nos chegavam contando do quão grave tudo isso era, e também do quanto tudo era confuso, discursos desencontrados das autoridades sanitárias, que num momento diziam, “usem máscaras”, “não usem máscaras”, fechem o comércio”, “abram o comércio”, distanciamento social funciona”, “distanciamento social não funciona”. 

O Estado não mais conseguia exercer sua função, aquele que deveria nos orientar e proteger promovia incansáveis discursos incoerentes, desalinhados e permanecemos no limbo da ignorância e no total desamparo. Equívocos atrás de equívocos que aumentavam e aumentam ainda mais essa sensação de estarmos precariamente lutando por algo tão gigantesco, e como diria Éric Laurent [...]com barro fofo e pedra lascada[...], mas vale ressaltar que faz uso dessa expressão, em outro contexto, eu apenas faço uso dela para dizer de nossa precariedade.

Me lembro de Sándor Ferenczi, um dos alunos e grande amigo de Freud quando diz que mais grave do que o trauma em si “é ser desvalidado, é ter seu discurso desvalidado pelo outro”. E não foi isso que aconteceu? Nos vimos diante do LUTO, e não tivemos sequer a oportunidade de VIVER esse LUTO. Não podemos nos despedir sequer de nossos mortos.

E nosso Luto foi muito além das vidas perdidas de familiares, amigos e muitos outros anônimos. Muitos perderam o trabalho, fonte de renda e dignidade pra família. Perdemos tudo aquilo com o qual nos agarramos pra darmos conta da vida como, essas ferramentas já comentei inicialmente que nos utilizamos pra minimamente conseguimos uma “ancoragem” diante do Real da vida. E quais seriam essas ferramentas? Como passeios, baladas, uma simples partida de futebol, uma visitinha na casa dos amigos e parentes, e tudo mais que de alguma forma seja importante para cada um de nós e que diante da impossibilidade do social, nos tenha sido tomado.

As famílias se deparam com uma realidade ímpar em suas vidas, trabalho, escola, filhos, lazer, descanso, tudo num só espaço acontecendo ao mesmo tempo. Os casais não mais dariam aquele beijinho de despedida no início do dia indo para o trabalho e combinando de se verem ao anoitecer porque ambos estavam trabalhando em casa ou estavam desempregados, a mãe não buscaria seus filhos na porta da escola, o passeio no parquinho e no shopping não podia mais acontecer nos finais de semana, os adolescentes não podiam mais ir ao cinema juntos ou se encontrarem na praça.

Tudo isso que parece tão corriqueiro e rotineiro deixou de existir, perdeu função. Tudo se misturou, casa, trabalho e escola acontecendo num lugar que nos é sagrado, nossa casa, nosso lugar de refúgio e descanso perdeu essa referência. Crianças e adultos disputando o mesmo computador pra estudar, pra trabalhar, todo mundo de pijama, ao menos da cintura pra baixo, porque aquela imagem e postura profissional, ficou resumida ao que a tela do computador registra quando estamos sentados, não é mesmo?

Crianças e jovens tendo suas vidas atravessadas por perdas extremamente significativas, dentre elas o convívio com seus pares que trazem algo de grande relevância principalmente nessas fases da vida, as trocas, as vivências, esse laboratório de experimentos que o laço social promove nas escolas, no curso de idiomas, nas festas, nos encontros, na brincadeira combinada na casa de um dos amigos, na festa do pijama, com os namoros, na turma que se encontrava pra jogar uma partidinha de volleyball, as conversas descomprometidas no portão da casa do colega, enfim.

Crianças, que por estarem tanto tempo restritos a companhia e cuidados de seus pais regrediram, se mostrando infantilizadas e inseguros diante da impossibilidade de não poderem lidar com suas questões que a escola e as trocas sociais tão bem os impõe.

E então, o que fazemos com tudo isso que é tão invasivo? Como lidar com essa sensação de dualidade, EXCESSO X FALTA? Sim, porque é justamente disso que se trata, pois se de um lado nos livramos do trânsito para ir ao trabalho, levar os filhos à escola, ou do tumulto do supermercado, por outro lado temos perdido a oportunidade de algo fundamental para a construção e subjetividade do sujeito, O LAÇO SOCIAL, e como diz o caríssimo filósofo LUIZ FELIPE PONDÉ, a vida é presencial por natureza. Desde os primórdios, a evolução do ser humano se deu por conta das trocas, da fala, do coletivo.

Nós nos constituímos através do olhar do outro, parafraseando Jacques Lacan, tudo o que desejamos é sermos desejados pelo outro. O abraço, os beijos, esse “’relar” com o outro do qual tanto estamos acostumados, pra nos sentirmos parte de algo e acolhidos, deixou de existir e muitos de nós estamos enlutados por isso.

Na clínica, tenho ouvido muitas queixas de crianças, jovens e casais, querendo suas vidas de volta.  Muitas separações, muitas desavenças familiares, enfim... pautadas nesse misto de excessos e faltas.

Pra alguns tudo isso é muito difícil, pra outros nem tanto, talvez algumas pessoas se sinta inclusive muito mais confortáveis permanecendo em casa num novo estilo de vida. Pra algumas famílias, está sendo uma boa oportunidade de manejar toda essa nova dinâmica pra ficar próximo dos seus e pra outras esteja sendo muito conflituoso. Inclusive temos tido relatos de casais que se uniram na crise para empreenderem. Assim como os sujeitos são diversos, também são suas saídas.

Nosso querido Freud já nos dizia que o que tentamos fazer o tempo todo é nos esvaziarmos do desprazer, num ciclo constante, num processo inconsciente e muita das vezes também consciente, permanecemos nesse “looping”, nesse movimento de feitura constante que oscila entre prazer e desprazer, uma dinâmica que ao tempo todo nos exige atender nossas pulsões que emergem como uma força avassaladora nos convocando a serem atendidas.

O que tem sido a pandemia para você? Como você tem lidado com essa circunstância de vida? Para deixar como reflexão e trabalho de análise, deixo aqui uma máxima de Nietzschie “O que não me mata me fortalece”. Vale dizer que trago esse pensamento pautado na bela fala de meu professor “Auterives Maciel”, quando num Congresso recente, fez uma articulação brilhante nos convocando a pensar que o ser humano pode transformar suas dores e maiores dificuldades em algo brilhante, se assim for seu desejo. Transformando dores e dificuldades em resultados, possíveis saídas que no primeiro momento pareciam não ter solução, num movimento sublimatório.

Proponho pensarmos que a vida nunca é um ponto final, ela pode ser reticências... a escolha é sempre sua.

Nesse momento (julho de 2021), já temos uma esperança de recuperarmos ao menos parte do que nossa vida já foi, pois temos a vacina. Prova de que as coisas mudam numa velocidade incrível. Esse velocímetro da vida pode até mesmo alterar a velocidade, nunca é constante, mas ele nunca para enquanto estivermos vivos.

COMO TEM SIDO LIDAR COM SUA FAMÍLIA?

QUAL É A SUA ESCOLHA???

 

Andréa Pinheiro Bonfante-Psicanalista

Mestre e Doutoranda em Psicanálise

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