Psicanalista Mestre e Doutoranda em Psicanálise

terça-feira, 23 de junho de 2020

COLÔNIA JULIANO MOREIRA- OS HORRORES DA PSICOSE



COLÔNIA JULIANO MOREIRA- OS HORRORES DA PSICOSE

ANOS 80



Colônia Juliano Moreira- Anos 80

A Colônia Juliano Moreira situada em Jacarepaguá- RJ com mais de 7.000.000 de Km quadrados, 749 funcionários estando 706 na administração e apenas 43 no trato direto com os pacientes, contava com apenas 20 médicos no ano de 1980 para cuidar de quase 5.000 internos. Foi quando pela primeira vez uma emissora de televisão teve o consentimento de entrar na instituição e oportunizar aos telespectadores a real dimensão do tratamento psiquiátrico da época.
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Ainda nesta década, no ano de 1988, houve então uma intervenção militar na Colônia Juliano Moreira onde esteve presente o Assistente do Ministério da Saúde Dr. Ricardo Aragão, que em entrevista à imprensa, justificou a presença da força policial como proteção à autoridade que adentrava a instituição, o Secretário de Programas Especiais de Saúde o Sr. Celso Hilguert responsável pela interdição, que foi recebido sob protesto numa manifestação pacífica pelos funcionários da instituição que acreditavam que essa demonstração de poder contra a gestão do Dr. Clécio, representava na verdade um retrocesso no tratamento dos pacientes que voltariam a ser tratados como mercadoria, inclusive  a volta do eletrochoque, cárceres privados e até mesmo da lobotomia, tão utilizada no caso de pacientes ditos como graves na década de 60.
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A Colônia Juliano Moreira foi criada em 1924, dentro dos mais modernos conceitos psiquiátricos da época, por Francisco da Rocha e Teixeira Brandão, que acreditavam e defendiam uma cultura higienista (pensamento europeu que tinha como objetivo afastar da sociedade o indivíduo que não se enquadrava nos ditos “padrões normais”, que iam desde crianças com comportamentos indesejados à prostitutas, negros, moradores de rua, homossexuais, dentre outras motivações mais incoerentes possíveis. Estima-se que apenas 30% dos internos apresentavam comportamentos psiquiátricos que justificassem suas permanências ali.




O hospital psiquiátrico Juliano Moreira recebia diariamente um número expressivo de pacientes com históricos de várias internações, pacientes esses que possuíam a chance mínima de retorno e reinserção ao convívio social, pois além de não haver por parte da família um interesse de reintegrar esse indivíduo ao seu núcleo familiar, por outro lado, não havia interesse da instituição em dar alta para esses pacientes que representavam grande lucro para os cofres da direção da colônia.
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Em todos os hospícios brasileiros da época, ao termo mais usado em relatórios era “super lotação”. Assim como em outras instituições psiquiátricas, na Colônia Juliano Moreira, pacientes eram amontoados em celas sem nenhuma condição de higiene, dormindo no chão, submetidos a eletrochoques de forma completamente arbitrária.
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Durante 10 anos, entre 1966 e 1977, a Colônia recebia crianças e jovens da FUNABEM, cuja grande maioria não apresentava nenhum laudo ou laudos nada plausíveis e confiáveis, que justificassem a arbitrariedade da condição absurda e revoltante as quais as vidas dessas crianças e jovens eram tomadas de forma tão violenta e irreversível tendo de conviver num ambiente tão hostil  entre adultos sendo-lhes sequestrado o direito de terem sequer suas infâncias preservadas.



No final da década de 60, em 1967, o hospital já era considerado o mais populosos dentre os hospitais psiquiátricos do Brasil, com quase 5.000 internos. Dentre esses internos, 1223 dormiam no chão amontoados uns sobre os outros numa condição sub-humana de total desamparo. Em 1974 começa então a diminuir o número de internações e diversos pacientes serem transferidos para clínicas particulares conveniadas ao INPS, política essa que favoreceu a expansão do setor privado e declínio da assistência pública de saúde. 
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Data do início da década de 80, devido a redemocratização do país, a primeira entrada da imprensa no interior da Colônia, possibilitando então mostrar ao público, a triste realidade dos pacientes que ali foram despejados, esquecidos e negada sua condição humana, causando assim espanto e perplexidade.
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O público pode então verificar os maus tratos e abandono aos quais os cidadãos, seres humanos como nós, estavam sendo submetidos, simplesmente como caráter punitivo e não como forma de tratamento.
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A partir de então passa a existir uma cogestão entre o Ministério da Saúde e o INAMPS, que cria uma política de reintegração social dos pacientes- O Projeto de Etapas- que consistia no pagamento de bolsas aos serviços que os internos prestavam lá dentro, numa tentativa  de “indenizar” esses pacientes que durante tanto tempo foram abandonados à própria sorte, despertando nos internos uma grande esperança de retomada de vida e resgate de suas subjetividades. A instituição progride para as eleições diretas na escolha do diretor da Colônia- Dr. Clécio Maria Gouvêa- que conquistou a confiança dos funcionários pelo trabalho realizado.
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Ao falarmos da Colônia Juliano Moreira não podemos deixar de mencionar um de seu mais célebre interno, o “Bispo do Rosário” cujas obras de arte tem sido reconhecidas dentro e fora do país. Mais três artistas contemporâneos tiveram suas obras expostas no Museu de Belas Artes; Gilmar Ferreira, Leonardo Lobão e Patrícia, e que hoje são monitores da oficina de pintura do Museu Bispo do Rosário.
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Ernesto Nazareth, um dos internos, compôs mais de 200 músicas e faleceu na Colônia aos 73 anos. Suas músicas inclusive foram as únicas usadas neste  documentário, nosso objeto de estudo- “Colônia Anos 80”. https://www.youtube.com/watch?v=lfthcmFmv6E 
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Grandes artistas, pintores, pintoras, poetas e poetisas, também estiveram internados por lá grande parte de suas vidas ou até mesmo nunca saíram, falecidos na instituição sob o olhar do abandono sem nunca terem sido lembrados por seus familiares.
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Depois da intervenção de 1988, sob a indignação de muitos, intensa negociação e um abaixo assinado de vários deputados federais, o Dr. Clécio então diretor, reassume e termina seu mandato. Em 1992 em novas eleições diretas, Dr. Laerte Thomé é eleito o novo diretor, mas devido à inúmeras denúncias de irregularidades, dentre elas venda de terras, abalam a tranquilidade da instituição provocando seu afastamento. Entretanto em 1995, é reeleito e os funcionários fundam na mesma época um jornal intitulado ”O Parabólico”, desempenhando papel primordial na informação dos funcionários.



Em 1996, os escândalos de irregularidade e descaso com os tratos dos internos, afastam definitivamente o então diretor, passando a colônia a ser municipalizada com o novo nome de “Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira”
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Em 1993 chega finalmente a proposta de criação de Lares de Acolhimento e de residências Terapêuticas na comunidade, numa tentativa de resgatar a humanidade dos internos, que através de relatos e testemunhos obteve sucesso podendo oferecer a eles o mínimo de dignidade e humanização.
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Como podemos observar, a história da Colônia Juliano Moreira é a prova cabal de uma sociedade higienista que preferiu ignorar seus doentes e submeter os diferentes a uma covarde condição de desamparo e desumanidade que durante muitos anos a sociedade preferiu ignorar.
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Entretanto façamos uma reflexão sobre o que ainda fazemos com nossos doentes psiquiátricos e com os que dentro de uma sociedade hipócrita e um preconceito velado são rejeitados e postos de lado, pelo simples fato de serem diferentes, não piores, apenas diferentes.


Andréa Pinheiro Bonfante- Psicanalista. Mestre e Doutoranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade

sexta-feira, 5 de junho de 2020

ALTAS HABILIDADES E SUPERDOTAÇÃO

ALTAS HABILIDADES E SUPERDOTAÇÃO 




O que fazer diante de uma criança com altas habilidades e/ou superdotação? Familiares, professores e instituições escolares se veem diante de um impasse. Tratá-lo como um pequeno gênio ou uma criança com habilidades diferenciadas? Quem é essa criança que aprende num ritmo diferente do que a maioria dos outros do seu grupo?
As perguntas e as dúvidas são muitas, mesmo porque pouco se fala sobre isso, até o momento em que elas batem a nossa porta. A família chega trazendo relatos de episódios muitos curiosos sobre o que vem acontecendo na escola e no grupo social do qual fazem parte, que muitas das vezes causam desconforto e estranheza.
Essa criança que aprende a ler com muita facilidade, que sabe contar além dos números que a maioria dos da sua idade conseguem, que tem muita curiosidade em saber coisas novas,  que nem sempre consegue ficar quieto em sala de aula porque já conseguiu fazer as atividades antes dos coleguinhas, que se sente entediado e muitas vezes desmotivado em ir pra escola porque “já sabe tudo”, precisa ser ouvida com muita atenção, e não ser encarada como uma “criança problemática”. Ela é especial tanto quanto uma criança que tenha dificuldades de aprendizagem porque tem necessidades e demandas diferentes das outras, e precisa de atendimento individualizado e direcionado.
A família precisa ser orientada, não apenas pra saber quais são os direitos dessa criança, mas também pra saber lidar com suas altas habilidades. A escola também pode precisar de orientações do profissional que o acompanha, para que o processo de adequação transcorra com facilidade e tranquilidade Esses profissionais geralmente são o Psicopedagogo ou Neuropsicopedagogo e o Neuropsicólogo, que é geralmente quem faz os testes pra identificar as altas habilidades que o Psicopedagogo já via sinalizadas. Identificada a questão, o Psicopedagogo segue com atividades direcionadas respeitando sempre seu ritmo, sua subjetividade e principalmente suas demandas. Não é porque essa criança tenha uma facilidade considerável em aprender, que devamos tratá-los como miniaturas de adultos. Muito pelo contrário, elas precisam brincar, e brincar de forma lúdica, atraente, motivadora. Aprender brincando sempre é mais interessante.
O mais importante de tudo isso é compreender que estamos lidando com crianças, que precisam brincar, que gostam de brincar, e que esse brincar é extremamente relevante pra seu desenvolvimento.
Andréa Pinheiro– Psicopedagoga, Psicanalista/ Mestranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade.
(24)99316-8982 whatsapp   andreapinheiroprof@hotmail.com

O SUICÍDIO NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA.



O SUICÍDIO NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA.





Há algum tempo essa imagem começou a ser veiculada nas redes sociais nos alertando para a catastrófica pesquisa que sinaliza o aumento absurdo de suicídios na infância e na adolescência.  Um par de sapatos para cada criança que se suicidou em 2017. Duzentos e vinte e seis (226) pares de sapatos, duzentas e vinte e seis (226) vidas precocemente interrompidas. O suicídio é hoje a terceira causa de morte na adolescência. Dados os quais preferiríamos não ter notícias certamente, entretanto a advertência é preciosa e precisa ser observada com extrema atenção, olhos voltados para esse público tão jovem que pede socorro, que através desse ato chamam pra si a atenção de algo que a sociedade insiste em continuar não discutindo, “tapando o sol com a peneira”.

As pessoas alarmadas se perguntam “Ué! E criança lá tem razão para se suicidar?”. A resposta é SIM. Crianças e jovens se suicidam todos os dias, com os supostos “acidentes” domésticos, muitas vezes omitido pela família, que apresenta dificuldade e preconceito para lidar com esta difícil questão. E a incidência ainda não é maior entre as crianças devido a maior dificuldade de acesso a métodos letais e imaturidade cognitiva. A criança não dá conta de traduzir em palavras muito do que lhe possa afligir, então ela passa ao ato, morde, bate, grita, chora, chuta, faz pirraça, malcriação, apresenta dificuldades na escola… e se suicida. Verbo fatal. Contra esse último não há o que se fazer, então que prestemos mais atenção quando as crianças ainda estiverem nos “dando trabalho”, porque quanto à isso ainda há algumas tantas e boas saídas, como por exemplo o amor.

Mas o que está acontecendo com nossas crianças e jovens? As razões são diversas, mas entre elas podemos destacar algumas importantes. Mais de 70% das crianças e adolescentes com transtornos de humor grave não apresentam sequer diagnóstico que dirá tratamento adequado. O abandono afetivo e a terceirização da criação dos filhos também aparecem como causa crucial nesse aspecto. Os novos arranjos familiares estão perdidos na criação de suas crianças. O modelo contemporâneo de sociedade imerso no excesso de informações do mundo digital não tem conseguido administrar qualidade x quantidade de tempo com seus rebentos, e o resultado disso não tem sido muito positivo. Perde-se tempo considerável com o supérfluo, deixando de lado o essencial, ou seja, o corpo a corpo tão necessário no acompanhamento do crescimento de nossos pequenos.

Nos consultórios crianças não param de chegar com problemas emocionais, que afetam suas relações e também sua aprendizagem. Sempre digo que precisamos deixar de falar sobre nossas crianças mas conversar com nossas crianças, olho no olho, dando à elas uma escuta pra que essa cena dos sapatos acima não seja mais parte de uma estatística dolorosa, mas apenas um possível catálogo de compras, onde a família possa escolher lindos pares de sapatos pra seus filhos vivos.

Autora: Andréa Pinheiro Bonfante – Psicanalista, Psicopedagoga, Escritora, Pesquisadora, Mestre e Doutoranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade.

Há crianças feridas escondidas em adultos difíceis



Há crianças feridas escondidas em adultos difíceis





O que há por trás desse título? Que reflexão essa imagem nos propõe? Como boa observadora dos movimentos sociais por conta de minha profissão, vi essa imagem viralizar nas redes sociais como rastilho de pólvora e me perguntei que identificação as pessoas tinham com ela. Que adultos difíceis são esses? Que crianças feridas são essas, e qual a razão de estarem feridas?

Imersa em meus estudos, numa das obras de Ferenczi com o título “Confusão de Língua Entre os Adultos e a Criança”, me deparo com algo que talvez possamos considerar. Ferenczi, psicanalista e um dos mais íntimos colaboradores de Freud, nos propõe pensar sobre o que ele nomeia “terrorismo do sofrimento infantil”, quando crianças se vêm obrigadas a resolver toda sorte de conflitos familiares , carregando precocemente o fardo, a responsabilidade de terem de ser maduros o suficiente para lidarem com membros de suas famílias, pois não apenas no plano emocional mas também no intelectual, o choque, o trauma, pode permitir uma pessoa a amadurecer de repente.

Essas crianças , nomeadas por alguns autores de “crianças sábias”, não o fazem por interesse, mas por desejarem desfrutar novamente da paz que foi desaparecida e a ternura vinda daí, pois a marca mais expressiva que um trauma deixa é a perda da “confiança básica”. Esses que cuidam de suas crianças, sejam mães, pais, avós, ou outros, mostrando-se constantemente queixosos de suas vidas e padecimentos, podem transformar seus filhos pequenos em auxiliares para cuidar deles, os adultos, numa verdadeira inversão de papéis, fazendo dessas crianças suas “mães”, sem levar em conta as necessidades e interesses de seus filhos, sem ao menos os ouvirem ou voltarem seus olhos para eles. O que de certa forma estamos presenciando na sociedade contemporânea, a despeito do excesso de olhares para as redes sociais sem usufruírem da companhia de suas crianças, da excessiva troca de parceiros que são levados para dentro de casa e muitas das vezes colocando essas crianças em risco, enfim…uma desvalia por completo, um abandono supostamente “assistido” e velado, quase hipócrita 

O medo diante desses adultos de certa forma enfurecidos e desmedidos, envoltos com suas próprias questões, pode transformar por assim dizer essa criança num psiquiatra, para justamente defender-se do perigo eminente, que esses adultos sem limites e sem controle representam para elas. Quase nunca eles conseguem gritar, se queixar ou fazer alardes, congelam-se e/ou aceitam essa violência imposta a elas, nem que para isso tenham de assumir papéis para de certa forma dar significado a tudo isso, para que isso possa ser representado.


Essas experiências traumáticas vivenciadas por essas crianças não passarão sem deixar marcas, muito pelo contrário, deixarão “faturas” com valores altíssimos, já que ao longo de nossas vidas, todas as nossas vivências são impressas em nós, tais quais carimbos que serão constantemente impressos e reimpressos. Dessa forma, vale pensar quais serão as consequências que essas crianças feridas apresentarão em suas vidas adultas justamente causadas por esses adultos difíceis.
A proposta desse texto não é trazer respostas, mas sim perguntas, questionamentos sobre quais seriam as razões de vermos esse sintoma cada vez mais presente em nossa sociedade onde adultos adoecidos adoecem as crianças.
Andréa Pinheiro Bonfante- Psicanalista/Psicopedagoga- Mestranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade.
Agendamentos:(24)99316-8982 whatsapp / (24)2452-4478 Espaço Vida Plena

quinta-feira, 4 de junho de 2020

As birras infantis e a permissividade dos pais

As birras infantis e a permissividade dos pais. 




Quantos pais ou familiares já não se viram desagradados ou reféns das birras de seus pupilos? Entretanto, grande parte desses familiares não sabem como lidar com essa situação e se questionam quais seriam as razões para levar uma criança a manifestar seus desejos de tal forma. Vamos pensar juntos?
Proponho iniciarmos nossa reflexão com uma frase de Jean Paul Sartre: ” O desejo é uma conduta de enfeitiçamento.” O autor nos convoca a pensar sobre esse desejo desmensurado que enfeitiça a todos nós, mas principalmente as crianças. Cortella nos atenta para o fato de que os apelos constantes das mídias, as quais as crianças equivocadamente tem tido acesso livremente sem nenhum controle, seja uma das principais causas do consumismo desenfreado, que sinaliza a permissividade daqueles que cuidam de suas crianças. Não estamos atribuindo as birras exclusivamente ao consumismo, mas propondo pensar que o consumismo possa ser apenas um sintoma dessa falta de limites, que pode ser justificada por várias razões, dentre elas e de total relevância,  a ausência da função paterna, função essa que é justamente a inserção da lei, do limite, da castração.
Freud, o pai da psicanálise, diz em uma de suas obras, que uma das melhores coisas que um pai (lê-se aqui aquele(a) que cuida) pode fazer é castrar seu filho(a). Fazer com que ele(a) aprenda a lidar com o interdito, com o não, com a impossibilidade. Uma criança que não é castrada, possivelmente se transformará num adulto que não conseguirá fazer escolhas, lidar com as frustrações da vida adulta em seus relacionamentos, trabalho, estudos, etc. O que se vivencia na infância, é inevitavelmente deslizado para a vida adulta, e essas experiências infantis serão revividas e rememoradas.
A birra nada mais é do que uma tentativa desesperada desse pequeno serzinho de realizar seus desejos, custe o que custar. E isso de alguma forma é necessário e saudável nas fases infantis, pois dá notícias de que essa criança está se constituindo um sujeito, com seus desejos, sua percepção de mundo, suas preferências, … Porém, é importante compreender que as crianças utilizam-se das ferramentas que possuem para defender o que pensam, ainda não possuem argumentos para sustentar e defender suas ideias ou o que desejam, lhes falta a palavra. A linguagem, própria do ser humano, manifestada pelo diálogo e tantas outras expressões, ainda está em formação.
Desta forma, cabe aos adultos, a decisão de ceder ou não. Orientar ou deixar correr . Dá trabalho interditar e orientar. Inspirar nossas crianças, nem sempre é fácil e/ou simples, mas fundamental. O que você decide fazer por aqueles que você cria? Assumir seu papel ou deixar que esse a quem você ama, cresça um jovem ou um adulto “desbussolado”, como diz o psicanalista Jorge Forbes? Vamos pensar juntos?
Andréa Pinheiro Bonfante- Psicanalista e Psicopedagoga - Whatsapp-(24)99316-8982
Mestranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade.

Angústia- Você sente?

Angústia- Você sente? 




O termo “angústia” vem do latim – angor, que quer dizer angustura, estreitamento, apertamento. E não é exatamente disso que se trata? Um aperto no peito, um não saber o que fazer e como fazer? Um desconforto, um mal-estar?
Desde seus primeiros trabalhos Freud (o pai da Psicanálise) vinha se preocupando com a questão da angústia, e para minimamente tentar traduzir em palavras que sentimento é esse, que sensação é essa que nos aflige, Freud diz o seguinte: “Como se origina a angústia? Tudo o que sei a respeito é o seguinte: logo se tornou claro que a angústia de meus pacientes neuróticos tinha muito a ver com a sexualidade” (Freud, 1894, p. 229).
O que podemos entender sobre esse mal-estar contemporâneo, tão atual, mas que no entanto nos afligiu desde sempre, é que quando nosso objeto de desejo é perdido ou a satisfação é apenas parcial, e ela sempre é parcial, nunca completa, esse mal estar se instala, e então sofremos com isso porque não sabemos lidar com esse “não todo”, com essa castração.
A angústia é sobre o que está perdido e o que está por vir, o desconhecido, aquilo que se planeja, se deseja, mas que não temos certeza se irá acontecer ou como irá acontecer, enfim, não temos controle sobre isso. Estamos nos referindo àquilo que é do sujeito, discurso dele, aquilo que não se pode mentir pra si mesmo, nem tapar o sol com a peneira, nem colocar a sujeira para debaixo do tapete.
A angústia fala de uma acumulação de excitação sexual que não tendo sido atendida se transforma em sintoma convertido no corpo, porque nosso corpo fala, se traduz em sensações que podem nos causar prazer e desprazer, mas que no caso da ansiedade  podem resultar em mudança de humor, insegurança, desassossego, ressentimento e até mesmo uma profunda tristeza. Um misto de emoções e sensações.
A excitação sexual da qual falamos aqui, não se restringe ao órgão sexual, ela fala do que é prazer para o sujeito, do que lhe causa bem-estar. E como esse objeto de prazer para qual apontamos fala sempre de um prazer parcial e que é para sempre perdido, ficamos mergulhados em angústia, nesse “apertamento” traduzido em sintomas, que podem ser desde a invasão de pensamentos negativos, falta de habilidade de encontrar uma saída para determinada situação, taquicardia, insônia, inquietação, sensação de sufocamento, até dores de cabeça.
A pergunta que não quer calar é a seguinte: “Como posso lidar com isso?” Nem sempre sozinho, mas com o acompanhamento de um profissional que lhe dê lugar de fala, lugar de escuta, pra que você possa falar disso até se esvaziar, até que possa elaborar o que foi dito por você e se posicione diante da vida. Entretanto, fazer o que lhe agrada, estar ao lado de quem sente prazer, pode ser  também uma excelente saída pra lidar com tudo isso de um jeito mais leve.
Prof. Me. Andréa Pinheiro – Psicanalista e Psicopedagoga- Doutoranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade.
Agendamentos: (24)99316-8982

O que o filme “O Poço” nos fala sobre a vida real?



O que o filme “O Poço” nos fala sobre a vida real? 





Ao assistir o filme “O Poço” , nome original “The Plataform”, dirigido pelo diretor Galder Gaztelu-Urrutia, estrelante em longa metragens, fiquei pensando o quanto ele se parece com a vida real. Os níveis sociais e econômicos, a falta de empatia entre as pessoas quando literalmente “o bicho tá pegando”, além de me ver identificando no filme alguns ditados populares tais como, “farinha pouco meu pirão primeiro” ou “é preciso chegar ao fundo do poço pra reagirmos”, coisas desse gênero.
O diretor foi objetivo em sua mensagem, cruel mas bastante pertinente em relação as questões que assolam a contemporaneidade, trazendo notícias de um mundo cruel, dividido por níveis; os de cima, os de baixo e os que caem, onde os de cima não falam com os que estão nos andares mais baixos e os de baixo não devem falar com os que estão em cima, simplesmente porque esses não lhes dão ouvidos, isto é, não lhes dão voz. Muito curioso que isso nos remeta à condição de precariedade e desvalia na qual de alguma forma todos nós vivemos imersos e circundados, não é mesmo?
Curioso também é que esse filme esteja sendo um sucesso de audiência justamente no momento em que estamos passando por uma crise mundial, onde um vírus invisível nos impõe uma condição de quarentena, onde a responsabilidade social é cobrada a todo tempo, onde temos que pensar no coletivo, onde o que é meu deixa de ser tão essencial porque pra se ter o que era meu (antes da quarentena) eu preciso pensar no outro, no coletivo. Caso contrário, nada feito. Nessa quarentena, estamos nos dando conta de que “O buraco é mais embaixo”, simmm …bem mais embaixo. E por que será que nos identificamos com a mensagem do filme? Na prisão vertical, nesse mundo de níveis, a fome de uns se deve pelo simples fato de que alguns comeram demais, muito mais do que necessitavam na verdade. Uma pequena porção diária seria a solução para que ninguém passasse fome. E nós? De que fome estamos falando? talvez da fome da cura, da fome de termos nossas vidas de volta, tal como antes, mas só a teremos se nos sacrificarmos.
O Poço também mostra claramente que quando alguns padrões se impõe, a barbárie é inevitável. A lei ali se configura de forma parcial, como não guardar comida e morrer de frio ou calor se ela for desobedecida, ou então acordar em um novo andar a cada mês, e aparentemente sem nenhum critério. Surpresa total e sempre, nos convidando a pensar que um dia estamos em cima e no outro… ulalá… estamos embaixo, como na vida, ahh esse mundo não é redondo por acaso, não é mesmo? Mas internamente, em cada andar, entre os prisioneiros, vale tudo para sobreviver; matar, comer o outro, torturar, estuprar, roubar, enfim…
Protagonizado pelos personagens Trimagazi e Goreng, o filme assusta pela sua narrativa bruta, cruel e avassaladora, muito bem interpretada por ambos. Mas de alguma forma, as diferentes personalidades e formas de encarar a vida, tem aqui sua serventia, pois enquanto Trimagazi, de um jeito bem cruel, apresentou a Goreng a realidade fazendo dele um” sujeito mais forte, por outro lado, o final do filme e a “mensagem” levada para o nível zero só foi possível, devido a forma diferente de encarar a vida de seu companheiro de cela, que pensava no outro, que se importava com o próximo, que acreditou que algo podia ser feito, que não se rendeu ao desamparo e tomou uma inciativa pra que as coisas mudassem.
Se vocês me perguntassem se eu gostei do filme, eu sinceramente não saberia responder. Acho que esse não é um filme para agradar, mas para fazer pensar, refletir sobre a condição humana. Tal qual a Psicanálise, que desarticula, incomoda e faz refletir, acho que o diretor sugere isso, nos instiga a pensar a partir do nosso incômodo. Te convido a vir se incomodar assistindo esse filme. Quanto ao final… cada um que dê sentido, o seu próprio sentido.
Andréa Pinheiro Psi- Psicanalista- (24)99316-8982 whatsapp