COLÔNIA JULIANO MOREIRA- OS HORRORES DA PSICOSE
ANOS 80
Colônia Juliano Moreira- Anos 80
A Colônia Juliano Moreira
situada em Jacarepaguá- RJ com mais de 7.000.000 de Km quadrados, 749 funcionários
estando 706 na administração e apenas 43 no trato direto com os pacientes,
contava com apenas 20 médicos no ano de 1980 para cuidar de quase 5.000
internos. Foi quando pela primeira vez uma emissora de televisão teve o
consentimento de entrar na instituição e oportunizar aos telespectadores a real
dimensão do tratamento psiquiátrico da época.
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Ainda nesta década, no ano de
1988, houve então uma intervenção militar na Colônia Juliano Moreira onde
esteve presente o Assistente do Ministério da Saúde Dr. Ricardo Aragão, que em
entrevista à imprensa, justificou a presença da força policial como proteção à
autoridade que adentrava a instituição, o Secretário de Programas Especiais de
Saúde o Sr. Celso Hilguert responsável pela interdição, que foi recebido sob
protesto numa manifestação pacífica pelos funcionários da instituição que
acreditavam que essa demonstração de poder contra a gestão do Dr. Clécio,
representava na verdade um retrocesso no tratamento dos pacientes que voltariam
a ser tratados como mercadoria, inclusive
a volta do eletrochoque, cárceres privados e até mesmo da lobotomia, tão
utilizada no caso de pacientes ditos como graves na década de 60.
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A Colônia Juliano Moreira foi
criada em 1924, dentro dos mais modernos conceitos psiquiátricos da época, por
Francisco da Rocha e Teixeira Brandão, que acreditavam e defendiam uma cultura
higienista (pensamento europeu que tinha como objetivo afastar da sociedade o
indivíduo que não se enquadrava nos ditos “padrões normais”, que iam desde
crianças com comportamentos indesejados à prostitutas, negros, moradores de
rua, homossexuais, dentre outras motivações mais incoerentes possíveis.
Estima-se que apenas 30% dos internos apresentavam comportamentos psiquiátricos
que justificassem suas permanências ali.
O hospital psiquiátrico Juliano Moreira recebia diariamente um número expressivo de pacientes com
históricos de várias internações, pacientes esses que possuíam a chance mínima
de retorno e reinserção ao convívio social, pois além de não haver por parte da
família um interesse de reintegrar esse indivíduo ao seu núcleo familiar, por
outro lado, não havia interesse da instituição em dar alta para esses pacientes
que representavam grande lucro para os cofres da direção da colônia.
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Em todos os hospícios brasileiros
da época, ao termo mais usado em relatórios era “super lotação”. Assim como em
outras instituições psiquiátricas, na Colônia Juliano Moreira, pacientes eram
amontoados em celas sem nenhuma condição de higiene, dormindo no chão,
submetidos a eletrochoques de forma completamente arbitrária.
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Durante 10 anos, entre 1966 e
1977, a Colônia recebia crianças e jovens da FUNABEM, cuja grande maioria não
apresentava nenhum laudo ou laudos nada plausíveis e confiáveis, que
justificassem a arbitrariedade da condição absurda e revoltante as quais as
vidas dessas crianças e jovens eram tomadas de forma tão violenta e
irreversível tendo de conviver num ambiente tão hostil entre adultos sendo-lhes sequestrado o direito
de terem sequer suas infâncias preservadas.
No final da década de 60, em
1967, o hospital já era considerado o mais populosos dentre os hospitais
psiquiátricos do Brasil, com quase 5.000 internos. Dentre esses internos, 1223
dormiam no chão amontoados uns sobre os outros numa condição sub-humana de total
desamparo. Em 1974 começa então a diminuir o número de internações e diversos
pacientes serem transferidos para clínicas particulares conveniadas ao INPS,
política essa que favoreceu a expansão do setor privado e declínio da
assistência pública de saúde.
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Data do início da década de 80, devido a
redemocratização do país, a primeira entrada da imprensa no interior da
Colônia, possibilitando então mostrar ao público, a triste realidade dos
pacientes que ali foram despejados, esquecidos e negada sua condição humana,
causando assim espanto e perplexidade.
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O público pode então verificar
os maus tratos e abandono aos quais os cidadãos, seres humanos como nós,
estavam sendo submetidos, simplesmente como caráter punitivo e não como forma
de tratamento.
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A partir de então passa a
existir uma cogestão entre o Ministério da Saúde e o INAMPS, que cria uma política
de reintegração social dos pacientes- O Projeto de Etapas- que consistia no
pagamento de bolsas aos serviços que os internos prestavam lá dentro, numa
tentativa de “indenizar” esses pacientes
que durante tanto tempo foram abandonados à própria sorte, despertando nos
internos uma grande esperança de retomada de vida e resgate de suas
subjetividades. A instituição progride para as eleições diretas na escolha do
diretor da Colônia- Dr. Clécio Maria Gouvêa- que conquistou a confiança dos
funcionários pelo trabalho realizado.
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Ao falarmos da Colônia Juliano
Moreira não podemos deixar de mencionar um de seu mais célebre interno, o
“Bispo do Rosário” cujas obras de arte tem sido reconhecidas dentro e fora do
país. Mais três artistas contemporâneos tiveram suas obras expostas no Museu de
Belas Artes; Gilmar Ferreira, Leonardo Lobão e Patrícia, e que hoje são
monitores da oficina de pintura do Museu Bispo do Rosário.
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Ernesto Nazareth, um dos
internos, compôs mais de 200 músicas e faleceu na Colônia aos 73 anos. Suas
músicas inclusive foram as únicas usadas neste
documentário, nosso objeto de estudo- “Colônia Anos 80”. https://www.youtube.com/watch?v=lfthcmFmv6E
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Grandes artistas, pintores,
pintoras, poetas e poetisas, também estiveram internados por lá grande parte de
suas vidas ou até mesmo nunca saíram, falecidos na instituição sob o olhar do
abandono sem nunca terem sido lembrados por seus familiares.
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Depois da intervenção de 1988,
sob a indignação de muitos, intensa negociação e um abaixo assinado de vários
deputados federais, o Dr. Clécio então diretor, reassume e termina seu mandato.
Em 1992 em novas eleições diretas, Dr. Laerte Thomé é eleito o novo diretor,
mas devido à inúmeras denúncias de irregularidades, dentre elas venda de
terras, abalam a tranquilidade da instituição provocando seu afastamento.
Entretanto em 1995, é reeleito e os funcionários fundam na mesma época um
jornal intitulado ”O Parabólico”, desempenhando papel primordial na informação
dos funcionários.
Em 1996, os escândalos de
irregularidade e descaso com os tratos dos internos, afastam definitivamente o
então diretor, passando a colônia a ser municipalizada com o novo nome de
“Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira”
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Em 1993 chega finalmente a
proposta de criação de Lares de Acolhimento e de residências Terapêuticas na
comunidade, numa tentativa de resgatar a humanidade dos internos, que através
de relatos e testemunhos obteve sucesso podendo oferecer a eles o mínimo de
dignidade e humanização.
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Como podemos observar, a
história da Colônia Juliano Moreira é a prova cabal de uma sociedade higienista
que preferiu ignorar seus doentes e submeter os diferentes a uma covarde
condição de desamparo e desumanidade que durante muitos anos a sociedade
preferiu ignorar.
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Entretanto façamos uma
reflexão sobre o que ainda fazemos com nossos doentes psiquiátricos e com os
que dentro de uma sociedade hipócrita e um preconceito velado são rejeitados e
postos de lado, pelo simples fato de serem diferentes, não piores, apenas
diferentes.