Psicanalista Mestre e Doutoranda em Psicanálise

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Etarismo, como envelhecer numa cultura da beleza?

 


Etarismo, como envelhecer numa cultura da beleza?




 Algumas considerações e curiosidades importantes

Etarismo, o que essa palavra significa?

"Etarismo é o preconceito contra pessoas por causa de sua idade. Esse preconceito afeta pessoas jovens, mas é muito mais comum contra pessoas idosas, se manifestando de diversas maneiras, como na forma como desconsideramos a opinião de uma pessoa apenas por ela ser idosa."


Onde e como ele se manifesta?

O etarismo se manifesta em diversos ambientes, mas principalmente no ambiente familiar, profissional e de saúde. Pode causar graves sequelas psicológicas nas vítimas."

O etarismo é um preconceito?

Sim, esse preconceito pode se manifestar de várias formas, desde estereótipos negativos sobre envelhecimento até a exclusão de pessoas mais velhas de certas atividades ou decisões.

O etarismo pode ser considerado crime?

No Brasil, o Estatuto da Pessoa Idosa considera o etarismo uma forma de violência e, em alguns casos, pode ser enquadrado até mesmo como crime.

Recentemente, iniciativas têm surgido para combater essa discriminação. Por exemplo, no Distrito Federal, foi aprovado um projeto que institui o Dia Distrital de Conscientização contra o Etarismo, celebrado em 15 de junho, com ações educativas e de valorização da população idosa. Além disso, o Festival Cine Inclusão 60+, realizado em São Paulo, busca dar protagonismo a idosos no audiovisual, promovendo debates e oficinas para combater o etarismo no meio artístico.

 

 E a psicanálise, o que ela tem a dizer sobre o ETARISMO?

Psicanálise e Etarismo: Desvendando as Raízes da Discriminação

Etarismo – Escuta Psicanalitica 

Vamos explorar o etarismo sob uma perspectiva psicanalítica. A psicanálise nos ajuda a compreender as complexidades da mente humana e as origens profundas da discriminação. Hoje, mergulharemos nesse tema desafiador para buscar uma compreensão mais profunda.

🔎 O etarismo, assim como outras formas de discriminação, tem suas raízes na mente inconsciente. A psicanálise nos ensina que nossa mente é influenciada por desejos, medos e crenças profundamente arraigados, muitos dos quais adquirimos durante nossa infância.

👶 Na primeira infância, internalizamos mensagens e valores da sociedade ao nosso redor. Isso inclui ideias sobre o envelhecimento e o valor atribuído às diferentes idades. Essas crenças, muitas vezes inconscientes, moldam nossa percepção e comportamento em relação aos outros.

🔄 O etarismo pode ser entendido como um mecanismo de defesa psicológico, no qual projetamos nossos medos e ansiedades em relação ao envelhecimento e à morte nos outros. Ao discriminar os mais velhos, tentamos negar a inevitabilidade do envelhecimento e proteger nossa própria fragilidade e mortalidade.

💡 A psicanálise nos convida a enfrentar nossos medos e preconceitos inconscientes, trazendo-os para a consciência. Ao compreender as motivações ocultas por trás do etarismo, podemos começar a desafiar e desconstruir esses padrões prejudiciais.

💔 É importante lembrar que o etarismo não apenas afeta os mais velhos, mas também tem consequências negativas para aqueles que perpetuam a discriminação. Ao dividir a sociedade em grupos baseados na idade, perdemos a oportunidade de aprender com a sabedoria acumulada dos mais velhos e limitamos nossa própria compreensão do mundo.

🌱 A jornada de superar o etarismo começa com a autorreflexão. Ao questionar nossos próprios preconceitos e estar abertos ao diálogo, podemos começar a desmantelar os estereótipos que sustentam a discriminação etária.

🤝 Vamos abraçar a diversidade etária e valorizar o conhecimento e a experiência de todas as gerações. A psicanálise nos ensina que a compreensão mútua e a aceitação são os alicerces para a construção de uma sociedade mais inclusiva e respeitosa.

  

IMPACTOS DO ETARISMO SOBRE A SAÚDE MENTAL

Impactos do etarismo sobre a saúde mental - SBGG

 

Você sabia que sofrer etarismo amplia as chances de ansiedade e depressão?

 

Impactos do etarismo sobre a saúde mental - SBGG

O etarismo tem um impacto significativo na saúde mental dos idosos. Estudos mostram que o etarismo pode levar a problemas como depressão, ansiedade e isolamento social. A desvalorização constante da idade pode afetar a autoestima e a qualidade de vida, resultando em uma diminuição da expectativa de vida e no desenvolvimento de doenças cardiovasculares. A mídia, em particular, tem um papel importante, pois pode perpetuar estereótipos negativos e perpetuar o ciclo de preconceito. Para combater o etarismo, é essencial promover a inclusão e desafiar estereótipos, além de adotar políticas públicas que respeitem os direitos humanos e a capacidade de cada indivíduo alcançar seu pleno potencial. 



O Etarismo e a cultura da beleza

 

O etarismo e a cultura da beleza estão profundamente interligados, especialmente na forma como a sociedade valoriza a juventude e impõe padrões estéticos rígidos. O etarismo na estética se manifesta na pressão para que as pessoas, principalmente mulheres, mantenham uma aparência jovem, muitas vezes recorrendo a procedimentos estéticos ou escondendo sinais naturais do envelhecimento.

A cultura da beleza reforça a ideia de que a juventude é sinônimo de valor e atratividade, enquanto o envelhecimento é visto como um declínio. Isso impacta a autoestima e a saúde mental, levando muitas pessoas a sentirem que precisam "lutar contra o tempo" para permanecerem aceitas socialmente. Atrizes e figuras públicas têm se posicionado contra essa pressão, destacando a importância de aceitar o envelhecimento como um processo natural e digno.



Etarismo: entenda o que é e quais os impactos na vida da mulher

Etarismo: entenda o que é e quais os impactos na vida da mulher | Beleza | gshow

Se você já ouviu frases como: “Você não tem mais idade para isso”, “Você deve ter sido uma jovem muito bonita”, “Você não tem mais idade para usar essa roupa” ou “Você está ótima para a sua idade! Nem parece”, é hora de debater e combater a discriminação por idade e que acomete, principalmente, as mulheres.

“Nos anos de 1960, o termo foi criado pelo médico norte-americano, Robert Butler, um estudioso sobre envelhecimento e longevidade. Ele usou o termo em inglês “ageism” em uma derivação de age (idade) para se referir ao preconceito relacionado à idade”, explica Ediane Ribeiro, psicóloga especialista em traumas.

“Embora o etarismo possa atingir tanto homens quanto mulheres, há uma cultura em que o preconceito contra o envelhecimento feminino é maior e mais cruel."


"Se olharmos para dados como: ‘mulheres acima dos 45 anos em cargos relevantes nas empresas’ e ‘estereótipos relacionados ao envelhecimento do corpo feminino e à menopausa’, vamos perceber que as mulheres são mais julgadas em relação à aparência física, suas capacidades e habilidades, em relação ao seu valor com a maturidade”.

Como qualquer outro tipo de preconceito, o etarismo causa inúmeros danos a quem sofre e, muitas vezes, é praticado de forma velada.

Na mulher, tem grande impacto na saúde e na autoestima: "As mulheres, após os 40 anos, enfrentam o mito de serem menos produtivas, devido à queda da função reprodutiva, o que pode gerar uma espécie de exclusão social, tanto no mercado de trabalho, quanto em outros ambientes, como o familiar, onde sua credibilidade de conhecimento, competência ou a forma como lida com as situações do dia a dia e com os seus sentimentos podem ser questionados devido ao fato dela estar envelhecendo”, e esta mulher se sente sozinha, por falta de informação, diálogo e acolhimento, nesta fase. As percepções de mudanças no corpo (cabelo, pele, humor, energia), em decorrência da queda hormonal, colaboram para um sentimento, muitas vezes, de ansiedade e depressão que minam a sua autoestima e saúde”

DESrespeito 


Como identificar o etarismo?



 Manifestações de discriminação por idade são vistas em diversas situações do cotidiano. No mercado de trabalho, alguns sinais de alerta são:

  • Maior dificuldade de empregabilidade por pessoas acima dos 50 anos;
  • Quando a empresa tem um padrão em que se identifica pouca contratação ou promoção de pessoas acima dos 40 anos, principalmente mulheres;
  • Quando os colaboradores relatam sensação de insegurança quanto à manutenção de seus empregos em função da idade;
  • Remanejamento de pessoas mais velhas para atividades ou cargos menos valorizados;
  • Comentários e piadas dentro da empresa que tem como foco a questão da idade dos colaboradores, por exemplo, associando idade à ineficiência, dificuldade de adaptação ou menor produtividade.

Além disto tudo já posto, também podemos identificar sinais de preconceito em comentários sobre como uma pessoa dever se vestir ou o que pode ou não fazer em função da idade. No âmbito familiar, muitas vezes, os idosos começam a ser infantilizados e, suas opiniões, desconsideradas.


A pergunta que não quer calar- Como envelhecer de maneira saudável numa cultura da beleza?

Cada uma encontrará seu próprio caminho, disso não há dúvidas. E você, o que pensa sobre isso?

A reflexão é urgente e necessária. Nada muda se a gente não mudar. Repetir discursos pré-moldados que nos engessam na cegueira social e cultural só reforça a repetição de padrões.


Não se render aos padrões e códigos de beleza nas vitrines do contemporâneo é por si só um ato de resistência. O primeiro passo talvez seja nos questionarmos diante daquilo que insiste em nos convencer de que devamos cegamente nos fazer caber em moldes ultrapassados e limitadores de uma suposta beleza encomendada que vai na contramão da condição de sermos humanos e multifacetados.

 

Profa. Dra. Andréa Pinheiro Bonfante- Doutora e Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade.

 

 


quinta-feira, 15 de maio de 2025

A atemporalidade no processo de análise

 




A  ATEMPORALIDADE NO PROCESSO DE ANÁLISE

 


Trago a vocês um fragmento de minha tese de Doutorado cujo tema é: “O Tempo da Adolescência: A Transitoriedade Como um dos Nomes da Castração. Nessa pesquisa, destacam-se algumas palavras chaves, dentre elas, adolescência, castração, tempo, transitoriedade, arte. Entretanto, nós bem sabemos que uma pesquisa, principalmente uma tese que leva 4(quatro) anos para ser desenvolvida, não se restringe apenas ao título, mas principalmente à inquietação ao qual você autor, foi levado a dedicar seu tempo e desejo pautado na hipótese dessa pesquisa, e no meu caso, a hipótese é de fazer pensar que tempo é esse.

Desta forma, durante o processo de escrita da pesquisa, esbarro em outros significantes, tais como juventude, beleza e principalmente “atemporalidade”, e o que principalmente nos interessa aqui é falarmos da atemporalidade num processo de análise, e não apenas ao que se restringe ao tempo da análise 30(trinta), 40(quarenta)ou 50(cinquenta) minutos, dentro de um consultório, pela janela virtual no atendimento on-line, na cabeceira de uma cama hospitalar ou de um paciente adoentado que você vá atender em domicílio. Estamos também e principalmente nos referindo às narrativas do analisando que não cumprem uma lógica linear, que transitam dentre passado, presente e futuro e não necessariamente nessa ordem, pois esse tempo Chronos, que é o tempo dos minutos, das horas, do calendário, ele se mistura com o tempo kairós, que é da ordem da não ordem , do subjetivo, das hiâncias, dos intervalos e da história de cada sujeito.

A prova disto foi o fragmento de um caso clínico que levei para minha tese e que pautei toda a minha pesquisa para falar deste tempo. E para que eu possa contextualizar e que vocês possam entender minha proposta de falar da atemporalidade num processo de análise, deixe-me fazer um brevíssimo resumo deste caso clínico:

Priscila, nome fictício da analisanda, chega à clínica por volta de seus 45 (quarenta e cinco) anos. Mãe de duas filhas de casamentos distintos, envolvida em seu terceiro relacionamento quando chega à análise, traz como queixa principal a sensação de ter tido sua ‘ADOLESCÊNCIA ROUBADA”. Praticamente tudo gira em torno dessa sua fala. Priscila se queixa de não ter podido viver sua adolescência na plenitude que ela desejava, pois segundo ela, havia sido primeiro roubada pelos pais severos e uma criação extremamente conservadora e depois como consequência de suas escolhas, por dois casamentos abusivos, que a tomaram seus anos dourados.

A analisanda carrega nas suas narrativas lembranças de um saudosismo intenso da infância feliz que teve e na contramão dessas doces memórias e dos momentos conturbados de sua adolescência, etapas não vividas, um sequestro de sua subjetividade, uma pergunta constante “Quem me roubou de mim?” rondava a cena analítica em cada sessão. Adolescência, infância, vida adulta se misturavam resultando em conflitos, conflitos estes que a levaram a procurar pela análise.

Por conta dessa sensação de perda, de ter tido a adolescência roubada, Priscila vivia às voltas em tentar recuperar o “Tempo” perdido. Mas seria possível recuperar o tempo? Essa tentativa a mantinha presa em suas próprias memórias, mantendo-as presa na cena de sua infância e principalmente de sua adolescência. Durante a escrita de minha tese, uma frase do psicanalista Contardo Calligaris não me saia da cabeça: “Somos restos e rastros de nossa infância”.

O que o analisando leva enquanto narrativa e queixa daquilo que desfunciona em sua vida, é pautado numa atemporalidade, num ir e vir, num de trás para frente. Quase como numa máquina do tempo, fazemos essa viagem entre passado, presente e futuro, misturando as estações onde primavera, verão, outono e inverno se fazem presentes em um único dia, em uma única sessão.

Não há cronologia linear no discurso do analisando, pois a cronologia é temporal, enquanto o tempo da análise é atemporal, o que há é justamente essa atemporalidade que é preciso ter ouvidos para ouvir aquilo que vai nas entrelinhas, no não dito, no silêncio e na não linearidade. Se o analista busca sequência lógica de eventos para dar escuta ao seu analisando, provavelmente estará fadado a uma não escuta e provavelmente a impossibilidade de uma análise.

Por outro lado, o paciente que se prende a essa necessidade cronológica do tempo, se não atravessado por uma pontuação do analista na direção de fazê-lo perceber que  a narrativa pode ser livre, que seu discurso não precisa estar alinhado com a lógica que se pressupõe a correta, ele , o analisando, muito provavelmente deixará de dizer de si. E o analisando tenta trazer essa metrificação porque justamente a sociedade e os laços sociais aos quais estamos inseridos, nos cobram essa suposta lógica do tempo e da métrica que nos leva a uma não lógica, a um non-sense, um contrassenso, um sem sentido, onde o sujeito continua repetindo na cena analítica um sintoma o qual o leva ao sofrimento psíquico daquilo ao qual é constantemente cobrado.

O tempo da análise é um outro tempo. O tempo da análise é um Inconsciente em cena., onde o analisando atua e performa na sua não lógica e sua não linearidade para tentar dizer de suas angústias, de seus incômodos. Jacques Lacan traz uma máxima ao dizer que o artista já sabe aquilo que o psicanalista supõe. Por isso, seguindo a mesma lógica de Freud, me lambuzo e me permito a essa audaciosa proposta de me lambuzar de arte. Na música de Caetano Veloso “Oração ao tempo”, diga-se de passagem, uma poesia cantada, o autor coloca o tempo como o compositor de destinos e como um dos bens imateriais mais valiosos do mundo, justamente por ser irrecuperável e inelástico. Ele considera que sua perda pode trazer máculas expressivas e irreversíveis, mas não necessariamente depreciativas, devido à possibilidade de reinvenção. Por essa razão, sendo o “compositor do destino”, o autor faz uma proposta: que o tempo possa ser inventivo e nos traga brilho e movimento, estabelecendo conosco um outro tipo de vínculo, embelezado pelas surpresas do cotidiano. E não é justamente isso que a psicanálise propõe? Ressignificar.

A reflexão trazida aqui, inspirada na música de Caetano Veloso, leva-nos a considerar que coisas que envelhecem, em vez de perderem valor, agregam ainda mais significado, como o vinho, a arte, os fósseis e as civilizações. Essa ideia encontra suporte nas considerações de Freud em seu ensaio “Sobre a Transitoriedade”, que afirma que a transitoriedade do que é belo não implica uma perda de valor, mas sim um aumento. O valor, segundo Freud (1916[1915]), está justamente na escassez do tempo, pois aquilo que é limitado eleva o valor de seu desfrute.

Entretanto, percebe-se que a consciência da finitude do tempo e do belo pode comprometer o discernimento de algumas pessoas, justamente por antecipar a ideia de luto pela morte de toda beleza transitória. Isso nos faz recuar instintivamente, quase como um mecanismo de defesa — uma negação diante de algo que nos é penoso. O luto daquilo que se “perdeu”. O luto da infância, da adolescência, da beleza e da juventude pode nos colocar diante de uma sensação de perda irreparável. Somos tomados  pelo desalento da fluidez daquilo que é belo e novo.

Fazendo uma correlação com o caso clínico resumidamente apresentado aqui, podemos pensar que Priscila estivesse enlutada, tomada pela sensação de perda de algo que, para ela, sempre foi de grande valia: sua adolescência. A transitoriedade da vida, atrelada ao tempo de “dentes afiados”, parece ter devorado sua existência em vários aspectos — a infância que ficou para trás, marcada pela mudança da casa em que viveu desde que nasceu; a adolescência, que ela julga ter sido roubada; o tempo, que considera perdido; e a juventude, que se foi.

O psicanalista em formação, muito provavelmente se encontrará com muitas “Priscilas” em seu consultório, se queixando do tempo não vivido, da velocidade dele e até mesmo assistindo a viagem no tempo de cada história contada, ou então como analisando, às voltas com sua própria análise, se verá como Priscila se queixando disto tudo, como se uma retrospectiva de sua vida se desenhasse diante de si durante toda a narrativa, quando ao dirigir sua fala ao analista, você analisando, acaba tendo a oportunidade de se ouvir.

Mas se há algo que a psicanálise verdadeiramente propõe é que o sujeito possa ressignificar sua história, e encerrando a escrita que me propus trazer nesse fragmento de tese, deixo como reflexão um pensamento que aprecio muito e trago aqui uma citação do livro de Mário Sérgio Cortella, “Provocações Filosóficas”.  Cortella não é um psicanalista , mas um educador e pensador contemporâneo com as quais muitas de suas propostas reflexivas eu me identifico bastante. Cortella diz que: “Não nascemos prontos e vamos nos gastando, nascemos não prontos e vamos nos fazendo”. Não seria essa uma boa reflexão para pensarmos a atemporalidade num processo de análise?

Eu encerro meu convite à possíveis reflexões do leitor com essa fala de Cortella  e os convido a tantas outras  que essas linhas possam suscitar, lembrando que o psicanalista é sobre autorizar-se, não sobre nomear-se, e que seu próprio percurso de formação traz notícias de uma atemporalidade. E quanto ao tempo de análise de um paciente também é sobre uma atemporalidade, que se desenha a cada encontro, a cada sessão.

Deixo aqui essa inquietação com vocês, pois elas são sempre bem-vindas e por si só já falam de uma atemporalidade, pois não há como viver sem se inquietar, desde o nascimento até a morte, atravessados pelas transitoriedades da vida, que a cada estação se desenham a seu modo, tal como propõe Freud em seu ensaio “Sobre a Transitoriedade”

 

 Dra. Andréa Pinheiro Bonfante (Mestre e Doutora em Psicanálise)

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 

 

 


quinta-feira, 31 de outubro de 2024

O NOME DO PAI- FUNÇÃO PATERNA

 

O NOME DO PAI

“Novos tempos, novas configurações” (Andréa Pinheiro)





Dou início a esse texto trazendo uma frase que considero bem atual, e que costumo usar muito nas palestras, nas salas de aula e nos debates aos quais tenho participado. E a quais configurações me refiro? Às configurações familiares, principalmente quando o assunto em questão é a ausência do pai, algo que se inscreve recorrentemente nessa nova cartografia contemporânea. Lares sem pais, mães em cena.

Temos falado muito sobre as dificuldades dessa nova geração de crianças e adolescentes, em lidar com os limites, com as regras, enfim, com a lei. E quando é que essa lei chega na vida de uma pessoa? Apenas quando ela se torna adulta? Não. É desde sempre, já nos primeiros momentos de vida desse bebê que chega ao mundo e que é mergulhado num banho de linguagem. Vale dizer, que de uma forma ou de outra não conseguiríamos pular fora desse barco, porque justamente a lei se inscreve em nossa vida do início ao fim, desde o nascimento até a morte.

A figura do pai, na psicanálise, é nomeada não como algo meramente biológico, mas como função paterna, e o psicanalista francês Jacques Lacan deixa claro que a função do pai no complexo de Édipo, está muito além de sua conduta ou do papel que ele desempenha em sua família, se ausentando com frequência ou ficando em casa enquanto a mãe sai para trabalhar, o essencial é que o sujeito entenda a dimensão do Nome-do-Pai, que é um termo bíblico que Lacan se utiliza para falar de duas funções importantes na constituição do sujeito: dar ao filho seu Nome, dando a ele um lugar, e ao mesmo tempo dizer um Não ao desejo da mãe pela criança e da criança pela mãe, o que provavelmente o salvará da alienação , circunscrita pelo gozo da mãe em ser toda e de ter o filho todo para ela. Dessa forma, entendemos que o pai é aquele que porta a lei e não um mero educador que encarna a lei, mas aquele que se identifica com ela, tornando-se arbitrário, introduzindo para a criança a norma fálica.

Então, se nas novas configurações familiares, o pai quase sempre não está presente e tampouco faz função, como "desalienar" essa criança do gozo da mãe, que não consegue ao mesmo tempo "maternar" e castrar?  Como se dariam esses novos arranjos familiares? Quem circunscreve a lei, o não, o interdito?  A estrutura familiar de que fala a psicanálise é a estrutura da mítica edípica, aquela que organiza a relação entre a mãe, a criança e a função paterna.

Trago a vocês para contextualizar nossa proposta ,a emblemática e tão popular música dos finais dos anos 70 do cantor Fábio Júnior, “Pai”, que continua sendo poesia cantada para muitos que veem nela, essa relação paradoxal e controversa do pai herói e bandido, do pai que ao mesmo tempo é lei, mas que também é arbitrário, o pai que “ensina o jogo da vida”, mas que muitas das vezes está com a sua voz presa pra falar de amor com seu filho, um filho que cresceu e que se lembra de estar morrendo de medo nos braços desse pai que um dia fez segredo, mas que fez parte do caminho do filho, a seu modo, mas que entretanto o filho acredita que ainda possam ser mais do que dois grandes amigos.

Prof. Mestre Andréa Pinheiro Bonfante- Mestre e Doutoranda em Psicanálise.