Em
junho deste ano (2024), recebi na minha semana de férias, um convite da emissora Band-Interior,
o convite para participar do programa “Taí para todos” com o apresentador Taí,
que busca levar ao seu programa sempre temas atravessados por questões diversas
e que são do interesse do senso comum.
Achei
interessante, um programa popular se interessar de levar à sua audiência um
tema em que a saúde emocional estivesse na pauta. Além de mim, uma psicóloga
também recebeu o convite para dividir comigo a proposta de esclarecer ao
público sobre a SPA- Síndrome do Pensamento Acelerado. Mas como dizer sobre
isso, sem me restringir a um discurso da doença, já que essa nomenclatura foi
cunhada pela psiquiatria? Não era meu desejo cair nas armadilhas dos rótulos ou
de um CID- Código Internacional das Doenças, que na maioria das vezes acaba por
rotular o sujeito sem considerar sua subjetividade.
Sendo
assim, opto em levar ao programa uma inquietação, uma reflexão, ou seja, a de
que a SPA- seja um sintoma dos novos contextos civilizatórios, trazendo
notícias de uma sociedade exaurida pelos excessos não apenas pelo uso das redes
sociais e equipamentos eletrônicos, mas também pela imposição de um discurso
marcado pelo excesso de positividade, que diz ao sujeito, todo o tempo, que
além de se auto gerenciar, ele deva fazer isso com plena assertividade, caso
contrário, ele será um fracassado e será engolido pela proposta capitalista,
onde o que prevalece é o TER para então SER, o já conhecido discurso da MERITOCRACIA.
O
filósofo contemporâneo Byung-Chul Han em seu livro “A Sociedade do cansaço”, coloca
isto de forma muito clara, ao afirmar que estamos exauridos pelos excessos. Falta
a alteridade, a diferença. Enquanto nos
primórdios da vida moderna lidávamos com parâmetros, normas pré-estabelecidas,
conhecidas e teoricamente testadas, quando alguns outros como nossos pais,
professores e/ou aqueles que nos cuidavam nos direcionavam acerca daquilo em
que teoricamente poderíamos confiar; hoje, na contramão de tudo isso, temos de
nos haver com um auto centramento que se conjuga de maneira bastante paradoxal
com o que é exterior e, dessa forma, a subjetividade se reveste de algo que é
extremamente estético e midiático não apenas elevando, mas, também, valorizando
a cultura do narcisismo e do espetáculo. Há tempos, temos falado de uma
sociedade adoecida e cansada, atravessada pelo consumismo e pelo excesso de
positividade, permeados pela visibilidade e desempenho.
Além disso, também nos deparamos com a notícia que chega em tempo real, não importando o quão distante os fatos aconteçam, e dessa forma, todas essas circunstâncias acabam por nos fazer transbordar de excessos numa velocidade que em muito excede os velocímetros de nossa máquina humana. Essa ditadura da velocidade, nomeada de tacocracia[1], onde a ligeireza dos eventos conta como critério de qualidade para as coisas em geral, nos coloca escravos do relógio, não para vermos que horas são, mas sim para nos certificarmos quanto tempo falta, o quanto ainda nos resta, uma equação na qual estamos sempre diante da falta. Desta forma, para não perdermos tempo, nos vemos diante da quase obrigação de sermos produtivos e acelerados, com nossos velocímetros em alta velocidade.
Birman
(2016), em Mal-estar na atualidade, deixa
claro que está implícita nessa
questão a problemática da subjetividade, pois não há como abordarmos o
mal-estar sem trazermos à cena o sujeito, pois o mal-estar reside onde reside o
sujeito e sua subjetividade. O mal-estar é tema recorrente quando o assunto é o
sofrimento dos sujeitos em suas especificidades.
A dificuldade dessa tarefa e o mal-estar recorrente deve-se ao fato de que vivemos num mundo perturbado e conturbado, onde a precariedade de nossas ferramentas interpretativas não dá conta de acompanhar a velocidade e agudeza dos acontecimentos que nos imergem numa condição de autogerenciamento constante que nos adoece (BIRMAN, 2016). Ao nos vermos imersos nessa configuração, urge-se a necessidade de refletirmos sobre a angústia que resulta dessas novas formas de subjetivação, circunscritas no mal-estar na atualidade.
Falar
do mal-estar na atualidade é reportar-se à obra freudiana “O mal-estar na
cultura”, só que numa nova configuração, numa nova dinâmica, que pensa o
estatuto do sujeito no mundo moderno, um sujeito que se encontra desencantado
do mundo, desamparado em si mesmo, esvaziado de si, que não sabe o que e nem
como fazer com isso que a modernidade lhe sinaliza, lhe aponta e lhe exige.
Freud diz que não há como pularmos para fora deste mundo. Isso equivale a dizer
que há aí um vínculo indissolúvel, isto é, “de ser uno com o mundo externo como
um todo” (FREUD, 1927/1996, p. 74).
É
curioso pensar que Birman (2016) venha fazer fronteira com as colocações de
Freud, dialogando sobre questões que já eram consideradas pelo pai da psicanálise desde o final dos anos
1920. E o que estava em questão para Freud que pode ser agora observado por um
autor do século XXI?
Desde aquela época, Freud já se esforçava para circunscrever o sujeito na modernidade e, passado um século, essa continua sendo a questão, e claro, com agravantes consideráveis, visto a complexidade do desamparo que, desde sempre, foi estrutural e que hoje se acentua por essa nova cartografia social. Uma cartografia que fala de uma fragmentação do sujeito, de sua subjetivação e, também, da matéria-prima da qual essa subjetivação é formada, onde o “eu” se encontra numa posição privilegiada, assumindo formas inéditas, que não sabemos ainda como lidar, tampouco os resultados que essas experiências irão nos sinalizar.
Há
tempos, temos falado de uma sociedade adoecida e cansada, atravessada pelo
consumismo e pelo excesso de positividade, permeados pela visibilidade e
desempenho. Conforme mencionamos anteriormente, Freud (1930[1929]/1996) já
sinalizava isso ao dizer que nem todos os homens contam com a admiração de
outros, pois a grandeza deles e seus feitos repousam sobre determinados
atributos e realizações não reconhecidos pelas grandes massas – e essa
afirmação de Freud dialoga com as provocações e reflexões do coreano Byung-
Chul Han. A partir dessa colocação de Freud, podemos pensar na necessidade de
reconhecimento do sujeito pelo outro desde sempre e que se instala de forma
muito clara nos tempos atuais, onde precisamos mostrar ao mundo o quanto somos
bons e perfeitos, revestidos numa aura de positividade constante.
E como poderíamos então ser imunes ao que é positivo? Como afastar a negatividade do que “teoricamente” não é negativo? Contraditório, entretanto, muito importante que levantemos o debate para que não sigamos adoentados, presos em correntes que nos empurram para o discurso da meritocracia, do “você vai dar conta”, “tem de dar certo”, “você precisa ser proativo” e tantos outros discursos que falam sobre os destinos da pulsão na contemporaneidade, que, numa condição de desamparo estrutural, própria do ser humano, nos leva a uma situação de desamparo social.
Nessa
situação, o que é do outro ou está ao lado é sempre melhor, e como diz o ditado
popular” a grama do vizinho é sempre mais verde”, nos remetendo a uma sensação
de impossibilidade, a uma impotência que é causa de angústia. Assim, os
adoecimentos psíquicos seguem adentrando o século XXI, quando encontramos, cada
vez mais pessoas sequestradas ao exagero da positividade, ao espetáculo e à
cultura do narcisismo, como já dito anteriormente.
O homem
contemporâneo enveredou-se de tal forma nesse labirinto que, em alguns casos,
mal se dá conta de sua cegueira psíquica, entrando em um contexto em que o que
prevalece é a valorização do “eu”, o discurso do ideal do “eu”. Nunca se soube
tanto da vida do outro como hoje. Há, nesses casos, uma necessidade latente em
se comentar a própria vida, o que se come, o que se faz a cada hora do dia
etc., de modo que dos temas mais complexos, como morte e doença, aos mais
corriqueiros, como o que se comeu hoje, são lançados nas redes sociais
indiscriminadamente, e já que a maioria faz, eu deveria também fazer? Diante da
dúvida e da insegurança de não sermos vistos e por conseguinte não sermos “reconhecidos”,
acabamos sucumbindo ao discurso.
Essa
exaltação desmedida da individualidade no mundo espetacular, como se a vida
fosse um grande palco, com holofotes sempre voltados para esse “eu”
extremamente narcísico, pronto a atuar a todo tempo como se não houvesse sequer
um intervalo entre um ato e outro, aponta para o que Birman (2016) nomeia
“Ethos da violência”, que é justamente isso que impossibilita a capacidade de
admirar o outro em sua diferença, já que a descentralização em si pode ser tão
difícil aos sujeitos dos tempos modernos.
Diante do que nos aponta o mundo contemporâneo, nos questionamos sobre o que podemos e devemos fazer. Talvez possamos apostar que nos darmos conta de nossa precariedade e castração seja um bom começo para considerarmos, ao menos em parte, que somos incompletos, que a falta é inerente ao sujeito e que essa incompletude é o que nos faz humanos.
A positivação do mundo aponta para novas
formas de violência, numa sociedade aparentemente pacificada, porém permissiva,
cega a uma violência viral, uma violência subjetiva, velada, que cala, adoece e
acaba por disciplinar os supostos indisciplinados que mal se dão conta da
escravidão a qual se permitem estando presos a esses discursos. Como num ciclo,
o mais do mesmo se repete.
E talvez esse seja o maior desafio com o qual tenhamos de lidar, apontando para a seguinte reflexão, de que a “Síndrome do pensamento acelerado”, seja de fato um sintoma dos novos contextos civilizatórios, um mal estar da atualidade.
Por Andréa Pinheiro Bonfante- Psicanalista Mestre e Doutoranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade
[1]
É um termo que significa "ditadura da velocidade",
que denota a noção de que as melhores coisas são classificadas como as mais
rápidas.
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